quarta-feira, 1 de setembro de 2010

***** Monólogo de Cecília *****

Performance

Personagem: Cecília é mulher, jovem de 30 anos, veste roupa de noite, com brilhos. Sapatos com meia fina, colar de brilhante e flor vermelha no cabelo. Roupa íntima preta. Está bonita.

Cenário: No canto esquerdo, à frente, um espelho de pedestal. No fundo, à direita, uma escada aberta de alumínio bem alta. Na frente, centro-esquerdo, uma malha clara, estendida (puxada do teto ao chão) forma um triângulo. No centro, bem à frente, um cubo rosa.

:o:

(Foco na escada. Cecília sentada no topo da escada, de pernas cruzadas, olhar fixo na platéia, corpo firme).

- Gosto de poesia, gosto do gosto dela quando habita a minha boca e quando sai de mim, espalhando sabor por aí... gosto de dizer a poesia.

(Suspira. Desce 3 degraus. Pára)

- Dizer coisas bonitas, coisas da poesia, faz bem para a alma. A poesia é a alma do mundo.

(Termina de descer a escada. Luz corredor sai da ponta da escada. Foco da escada apaga. Cecília segue em linha reta pela luz, até a frente do palco).

- Os versos me lembram viagens, dores, tempo largo que demora a passar...

(Senta, desleixada no chão).

- E como eu corro, como a gente corre, sem saber onde vai parar! E o Drumond (ri deliciosamente) com seus deleites (em tom de recitar) “Casas entre bananeiras, mulheres entre laranjeiras, pomar, amor, cantar”.

(Tira os sapatos, com cuidado, enquanto fala).

- Odeio bananas, mas me parece que ficam tão bem as casas entre bananeiras; sombra e verde. E mulheres!

(Suspira de novo. Começa a descer a meia calça).

- Nós, mulheres, somos poema até no corpo! (observa atentamente as pernas) Redondilhas de nossas curvas, soneto de nossos desejos, reticências de nossas dores (o olho vai lacrimejando) e... alma! Ah... alma! Luta!

(Se levanta rápido, olhos rasos de lágrimas).

- Mas não quero falar de mim. (pausa longa de respiração). Dói. Vou falar de poesia. (nervosa consigo mesma). Mas se poesia é a alma de tudo, não há como falar dela sem falar da minha alma!

(Silêncio. Enxuga o rosto com as mãos. Pensativa. Vai até o espelho. Começa a tirar o colar e fala dura consigo).

- Olha aqui sua frouxa, se não consegue dizer poesia, não diga!

(Joga o colar no chão e olha para a platéia).

- Não há como falar de poesia, falar da alma, sem sentir. Não há como dizer as palavras sem passá-las pelos poros, por toda a pele, sem curti-las; sem refletir sobre o que realmente querem dizer. Desculpem. (desolada). Achei que poderia me isentar, falar sem me envolver.

(Vai até a malha estendida, dá a volta nela, passando a mão e sentindo o tecido. Enquanto isso, diz)

- Não falarei mais trechos de poesia nem direi mais dela como sendo a gênese da vida. Ficarei quieta. Se ela é alma, passa pelo meu olhar, que é janela do meu espírito.

(Tira a flor do cabelo, vai arrancando as pétalas enquanto anda vagarosamente até chegar ao cubo. Senta, em postura exuberante. Silêncio. Fica olhando para a platéia, atentamente, durante 1 minuto).

- Ah! (grita e levanta exaltada) Mas se ela é alma, está em mim por inteiro, não só no meu olhar! Está nos dedos (olha para as mãos que destruiram a flor, acaricia o caule que sobrou e guarda no seio, dentro do vestido), está na nuca (massageia o pescoço carinhosamente), no meu sexo (leva as mãos entre as pernas e sorri). Ah! (suspira e corre, em direção à malha, agarrando-a). Eu sou poesia! Eu faço poesia! Sou uma poeta que transborda!

(Corre até a escada, sobe 4 degraus, solta o vestido e fica de calcinha e sutiã. Canta forte, enquanto a luz vai baixando)

Manhã triste e cinza
Manhã morta,
Mãe morta
Poesia e ventre
Ventre e entranhas
Alma e entranhas
Manhã