domingo, 10 de maio de 2015

Filhos

Cada manhã me refaço para abraçar.
Acordo nova para emanar amor.
É preciso a determinação de um cachorro roendo seu osso.
Procuro cores bonitas para tingir o céu.
Separo porções de cuidados e de delicadezas
- talvez em erradas proporções.
Me visto de sol para iluminar o dia.
Aqueço as mãos para o trabalho e para o carinho.
Um gole de coragem e outro de fé.
Na bagagem, no peito, sonhos que não são só meus.
E saio para a vida, certa de que sou imprescindível
- mesmo que não.
Meus filhos me fizeram assim.

Maternar

Vou sendo mãe aos poucos.
Porque é árduo, como uma guerra santa.
Tudo é novo todo o dia.
Há medo, choro, angústia.
Umas bombas explodem no coração.
Há vezes de destroços.

Vou sendo mãe aos poucos.
Porque é gostoso, como um namoro recente.
Tudo é novo todo o dia.
Há calor, riso, felicidade.
Umas flores crescem no coração.
Há vezes de plenitude.

Autorretrato II

Só sou eu
Quando estou em muitos.
Pedaços de mim
Em corações que vagueiam.
Me compreendem mal
Por não saberem
Que meu amor espalhado
É o melhor que trago.
Leviana, displicente, desapegada...
Vim sem lugar,
Meu espaço é no outro.
Fora dele sou morta,
Zumbi que perambula.
E se tentam me juntar,
Conter-me em minhas linhas,
Me perco de mim
E choro no vazio solitário
De um espelho sem reflexo.

Crônica de Uma Professora Perseverante

Alguns corriam pela sala. Outros zombavam dos colegas. Um se arrastava no chão. Outro, inquieto, o tempo todo de pé. Três pediam para ir ao banheiro ao mesmo tempo. No auge de seus 7 anos, as crianças não conversavam: elas gritavam, aos berros umas com as outras. Durante uns 20 minutos tentei todas as estratégias para iniciar mais uma aula. Fui branda, fui enérgica, esperei silêncio, voltei a porta e entrei de novo. Sorri, chamei a atenção, fui amorosa, falei bem baixinho, estava para gritar quando decidi que era melhor ir embora e deixar a sala, talvez com alguém mais competente do que eu para o dia de hoje. Mas não fui. Fui convencida a ficar e tentar mais um pouco. E algumas coisas ficaram em meu coração, doídas:


"a gente grita porque todo mundo grita."

"mas eu não estou gritando com vocês, eu não gosto de gritar."

"a gente sabe que você não grita mas a gente acostumou."

"mas vocês são inteligentes, entendem o que a prô está dizendo, não precisam gritar uns com os outros."

"eu não sou inteligente."

"claro que é, todos somos."

"não, eu não sou, sou burro."

"e eu sou só um pouco inteligente."


Estamos todos, alunos e professores, despedaçados. Uma criança acaba de entrar na escola e não confia mais nela mesma. Eu ainda não sei, depois de 10 anos lecionando, que caminho seguir com algumas crianças. Todos estão gritando e pedindo socorro.
Uma certeza em mim ficou hoje: seguir o coração e ouvir com atenção ainda é o que nos salva da loucura.

Professora

Sou professora. Sim. Com orgulho.
Professo Arte, professo amor, professo respeito, professo cultura, professo o bem e o saber pouco que tenho.
Sou professora sempre, na rua, na escola, em casa.
Não é uma veste. Não é um personagem. Não é um estado.
É profissão. É um jeito de ver o mundo. É um jeito de viver a vida.
E se eu vejo o meu par, na luta, no riso, no cansaço, chorando, gritando, sangrando... Me reconheço nele. Sou como ele. Estou no mesmo lugar, sinto a mesma coisa.
Eu estou hoje sentindo muito medo, muita tristeza, muita dor, pelo tratamento que recebemos.
Eu sinto um grande vazio que nem meus alunos de hoje, com sua enorme generosidade, preencheram.
Sou uma professora em migalhas. Que recebe migalhas. Que está esmigalhada.


- sobre a violência contra os professores no Paraná.

Meditação

Mantenho-me em pé:
Estátua de flores remendadas.
Carrego comigo um botão...
É cravo? É rosa?
É amor sem fim,
Emprestado no ventre,
Costurado nas entranhas
Com fios de sonhos e medos
E bocados de fé.
Floresce o que jazia quieto,
Desejo de recomeçar,
Voltar a ser abrigo morno
- mesmo que o tempo,
em seus contornos,
seja-nos breve, brisa que passa.

Sobre a Reencarnação

Conversa no carro:


- mãe, porque Deus vive pegando as pessoas para morrerem?

- ele não pega as pessoas filha, é que tudo nessa terra tem um tempo; as plantas, os bichos... Tudo nasce, vive, morre...

- minha vida não tem tempo, ela é sem fim porque depois que eu morrer eu vou nascer de novo em outra vida... Isso muitas vezes.

- que bonito Isa!

- e eu sempre peço muito prá você ser minha mãe de novo na outra vida... Mas todo mundo tinha que pedir, a vovó, o papai, porque senão Deus vai trocar tudo!

Sobre a Poluição

Estamos na Marginal.
Isadora vai olhando para as nuvens e encontra os formatos da irmã e da cachorra que estão por lá.
Está contente.
Então diz:

- difícil mesmo é encontrar Deus porque ele é muito grande, não cabe nas nuvens. Deus é tudo isso né mãe, menos o esgoto (se referindo ao rio Tietê).

Sobre a Páscoa

Aproveitemos o tempo de páscoa com as crianças para uma renovação no lar. Hora de limpar, rever, organizar, transformar espaços para receber o novo. E que o outono nos traga a ideia de deixar o que é velho e seco cair... Para que após o inverno de descanso e acomodação emocional, possamos florir na primavera!!!

Sobre a Falta de Argumentos

Eu sou uma mulher branca, descendente de italianos e espanhóis. 
Nasci numa família com pai e mãe, ambos com empregos. 
Sempre tivemos casa própria na cidade de São Paulo. 
Tive uma infância feliz. 
Não lembro de ter tomado um tapa. 
Meus pais têm nível superior e até hoje me apoiam em tudo. 
Estudei em escolas particulares e pude fazer cursos extra-classe como violão. 
Nunca passei fome, frio ou qualquer outra necessidade básica. 
Comi coisas gostosas como danoninho e trakinas. 
Pude escolher a faculdade que quis fazer. 
Pude escolher trabalhar. 
Tive acesso a livros, a Arte, a cultura em geral. 
Sempre fui ao pediatra, ao dentista, ao oftalmologista... 
Fiz uma pós-graduação. 
Tive filhos com toda a estrutura necessária. 
Moro bem, vivo bem, sou realizada.


Diante dessa minha vida confortável, elitizada, burguesa, era de se esperar que eu fosse mais uma pessoa envolvida no capitalismo perverso sem questionar nada, que eu aceitasse a manipulação da mídia e ficasse sentada em meu sofá vendo a globo passar.


Mas no primeiro ano de faculdade eu li uma coisa que mudou tudo em mim. Claro que não mudou a minha história vivida, mas como eu podia enxergar diferente a minha história. Eu li Paulo Freire.
E li sobre exploração, sobre direitos, sobre autonomia... E então eu li sobre tudo o que me causava espanto. E comecei a ver que para cada comida que entrava na minha geladeira, alguém não tinha o que comer. Que para cada dinheiro gasto conseguido com trabalho, outros tantos estavam no farol e sem trabalho... E então li sobre negros e índios e nordestinos. E li sobre a miséria, sobre a fome, sobre o Estado. Li muito sobre a Educação e sobre interesses a respeito dela. E comecei a olhar as pessoas nas ruas bem no fundo dos olhos.


Decidi ser professora.
Professora da rede pública de ensino na periferia. E de Arte.
É o mínimo que posso fazer para devolver à sociedade tudo o que ela me proporcionou com a exploração que sofreu e pela qual fui conivente mesmo sem saber. Exploração que me proporcionou a vida que tenho hoje. E professora da rede pública porque acredito que meu trabalho é bom e ele deve ser para todos. E de Arte porque é preciso mesmo de muita sensibilidade para combater discursos de ódio como os de hoje.


Portanto, me deixou deveras estupefata o cartaz com a frase "Basta de Paulo Freire". A pessoa que escreveu esse cartaz não deve ter lido nada sobre ele ou nada de sua obra. E se por acaso leu, é muito pior. Pois revela que tal pessoa não consegue perceber como sua vida está intrinsecamente ligada às vidas de outras pessoas, não percebe seu papel transformador na sociedade.
Tal cartaz só reforça em mim a vontade que tenho de ensinar. De dizer para os jovens e crianças de seus deveres e direitos, de como é importante ser sensível ao outro. E de que cada um está ligado ao outro, num grau de extrema responsabilidade.

Carta a Uma Amiga


Queridas férias, eu te amei muito, em todos os dias que você esteve presente! 
Pena você ir embora tão rápido. 
Ficarei com muita saudade, esperando você voltar o quanto antes. 
Sinto que não beijei você e nem abracei o quanto podia; que poderia ter te agarrado para que não fosse embora assim… 
Mas eu tinha tantas outras coisas e pessoas importantes para cuidar... e agora, que vejo você se despedindo de mim, percebo que não te dei atenção suficiente. 
Amanhã eu pensarei em você todo o tempo e aguardarei o seu retorno, para eu te amar mais uma vez!!!

Prece - 1º Ano

Santa Mãe de Deus,
vem e cobre o céu de estrelas, 
para me fazer dormir feliz 
e te agradecer cada vez mais.

Mãe, cuida dos teus filhos e dos meus, 
com todo o teu amor e devoção 
e dizei ao meu coração 
que é hora de ficar em paz.

Isadora Menina

- Isa, hora de dormir, vamos lá, vamos nanar.

- Nanar é de bebê mãe. Eu vou fazer 5 anos, você tem que falar só assim: hora de dormir filha!

- Vô, quando o bebê nasce, ele não come não, você está errado. Ele mama no peito. Eu sei tudo disso porque eu leio a enciclopédia!

Perguntas sem Respostas


Isadora:


- Mas mãe, eu achava que a Heloísa dormia na nuvem com os anjinhos. Mas agora eu sei que a chuva é a nuvem caindo. Então onde é que ela dorme?

- Mãe, São Pedro podia lavar o céu de esguicho e daí a Heloísa ajudava com o baldinho dela porque tá muito calor, né?

- Mãe, como é que a alma do bebê, que está no céu com os anjinhos, entra no bebê que está na barriga, hein?

- Mãe, como é que a semente do papai junta com a semente da mamãe? Como a semente do Zeca e da Nina podem se encontrar?

- Mãe, eu sei que a alma da Heloísa vai entrar em outro bebê um dia e ela vai começar tudo de novo, outra vida, sabia?

Presente de Aniversário


Isadora:

- Mãe, eu queria te dar um microfone de presente. Daí você saía na rua, vestida de noiva, cantando no microfone assim: Prepara, que agora é hora do show das poderosas… E com um montão de crianças atrás de você, seguindo você na rua… Porque eu sei que você gosta de cantar.

- Mãe, seu aniversário é depois do meu?

- É filha, na outra semana, por que?

- Porque eu vou te dar um presente.

- Ah é? Mas não precisa me dar nada filha…

- Precisa sim, vou te dar um presente bem especial.

- Tá bom então, obrigada, eu vou gostar.

- Eu vou te falar.

- Mas daí vai acabar a surpresa Isadora!

- Eu vou te dar um neném.

- Ah filha, não dá… só o papai do céu pode dar um neném prá mamãe.

- Dá sim. No dia do aniversário seu, eu vou pedir prá ele um neném, vou pedir com bastante pedido porque ele sempre ouve as crianças.

Sobre a Transitoriedade

Isadora e suas constatações:


"Mãe, sabia que o mundo gira igual uma hélice?
É filha?
É. Gira e gira.
Quem te disse isso?
Ué, eu mesma!
E por que você acha isso?
Porque tudo muda mãe, todas as coisas…"

Amor em mim

Tanto amor em mim,

Transborda todo o tempo,

No canto do olho e no toque da mão.

Tanto amor juntado,

Guardado num sem fim de mim.

Um tantão assim de amor,

Maior que eu todinha e que toda a distância.

Amor prá toda vida e prá tantas outras.

De Novo Saudade

Dias são como mar.

Leva. Traz. Leva. Traz…

O dia me trouxe saudade.

Carta ao Daniel

Mesmo que não acredite
Ou que tenha se acostumado
Mesmo que saiba de cor
E bata a certeza em tua porta
Mesmo depois desse tempo
E de tanto sonho, idas e vindas
E de tanto riso, choro e gozo
Manhãs, noites inteiras
Grudados, sozinhos, perdidos
Confusos, doendo, apaixonados
Felizes, gritando, vencidos
Sussurros, beijos, cansados
Mesmo quando foi embora
E quando esteve ou ficou:
Te amei, te amei, te amei
Te amo, te amo, te amo.

Sobre o Medo


Isadora e suas meditações...

- mãe, não é bom ter medo porque quando tem medo, o medo cuida da gente e daí a gente fica com aquele olhar porque o medo é vermelho.

Sobre Deus

Isadora em nova maratona de perguntas antes de dormir:

- Mãe porque existem pessoas?

- Prá quê Deus criou a gente?

- Quem criou a tataratataratataravó? Foi Deus?

- E como é que então virou esse montão de gente no mundo?

Depois do meu blablablá sobre as diversas crenças religiosas a respeito da criação e sobre a versão científica (de maneira apropriada à crianças, se é que existe isso), expliquei o que eu acredito e disse que ela poderia escolher no que desejava acreditar. E que poderia também não acreditar em nada disso ou deixar isso prá quando fosse maior. E também falei sobre ser feliz.
Então ela me respondeu:

- Acho que eu vou ficar assim desse meu jeito mesmo porque eu sou feliz!

Homenagem a Reginaldo Poeta

Aquela poesia
Que chegava de mansinho
De carona num barquinho
Puxado pelo poeta
Ainda é viva, latejante,
N'alma dele, viajante,
E em nosso coração.
Como não sabemos poetar
Rezamos silêncios e oração
- é nosso jeito de gratidão -
Por aquele que foi, é e será
A asa da borboleta,
O cheiro bom de fruta madura
Som de rabeca no vale
Anil do céu em dia de verão
A alma da flor
As cores da Terra.

Sobre o Amor Fraterno


Um recorte de hoje:

- Mãe, a Heloísa cresce no céu?
- Não sei filha. Eu acredito que o corpo dela está na terra e que a alma dela está no céu. Eu acho que a alma dela continua evoluindo, crescendo em sabedoria. O que você acredita?
- Eu não acho isso. Eu acho que ela é como aquela nuvem ali. Ela fica no céu, voando toda hora e eu acho que ela não cresce. Eu acho que ela brinca com a nuvem. Eu vejo ela daqui.
- Tá bom. É um jeito bom de acreditar.
- Eu sei mãe. Meu jeito é bem melhor porque dá menos saudade.

Sobre a Paciência


Eu sou uma dessas pessoas feitas para o aprendizado da paciência.
A paciência da plenitude de aguardar o nascimento de um filho. 

A paciência que se tem para amá-lo quando está doente, quando tem medo, quando quer ficar acordado a noite, em todos os dias de sua vida. 
Ou a paciência desesperada de acompanhar o desencarne de seu outro rebento. 
A paciência que se tem de ter consigo, todas as manhãs, para reunir coragem. 
A paciência esperançosa de se casar duas vezes com a mesma pessoa. 
A paciência ansiosa de ensinar e aprender como professora. 
A paciência criativa de pintar mandalas e seus pequenos detalhes, ou a paciência insossa de querer escrever um poema e ele não vir. 
A paciência diária com o trânsito, com o trabalho, com a louça que teima em se acumular, com as pessoas que maldizem o mundo. 

E se eu pudesse relembrar todas as minhas tarefas e desafios até aqui, estaria lá o bendito exercício da paciência.


Então não é novidade que nesta nova fase da minha vida, mais uma vez a paciência (que se esgotou para muitos) é minha companheira. Talvez ela seja o caminho mais aprazível para mim. Só com a paciência sou capaz de suportar ausências, já que minha vida é cheia delas.

Eis meu mais recente percurso: uma vida toda sem corantes, conservantes, aromatizantes, flavorizantes e saborizantes.

Eles estão em toda parte: nos remédios, esmaltes, quase todas as comidas, massinhas, tinta para cabelo, canetinhas de pintar… O mundo é colorido, saboroso, conservado!!! Mas não podem mais estar em mim, porque sou alérgica a eles. Uma alergia dessas bem graves, que quase me tira daqui e me manda pro lado de lá. Então, seja bem vinda de novo, minha amiga paciência.

Porque só com você fica mais fácil!

Filha

Cada sorriso da minha filha confirma em meu coração a imortalidade de nossas almas.

Pensamento

Quando eu tinha uns quinze anos, não passava pela minha imaginação, nem de longe, que minha vida seria assim. Que eu viveria essas coisas todas. Que eu sentiria tudo isso. Que eu escolheria tais caminhos. E agora fico feliz por ser ignorante de mim e da minha futura história, aos quinze anos. Sinto-me imensamente aliviada. Ainda bem. Eu teria muito medo se soubesse da minha jornada vindoura. Teria raiva. Teria um acesso de loucura. Talvez eu risse sem parar. E depois me afundasse na cama. E depois acho que eu fugiria. Ou será que eu ficaria pasmada? Nem sei. Só sei que pensei nisso hoje e refleti o quanto somos felizes por a vida ser essa surpresa diária!