quinta-feira, 27 de junho de 2013

Filhinha

À essa réstia de sol,
Que adentrou meu caminho
Deixando rastro de luz e cinza,
Toda a minha gratidão e prece.

Nely

Tal qual malha tricotada,
Em lã vermelha e cardada,
Nas mãos de vovozinha paciente,
Era o aconchego de seu colo.

Amiga que cruzou minha estrada,
Montou barraca e fez morada,
Plantou com amor uma semente
E ainda adubou meu solo.

Ficou, sem nem pedir licença,
Desatou o nó da desavença
Que havia entre eu e o mistério
De tudo o que eu não sei no pensamento,
Só no sentir do coração.

Tuas palavras de mãe que ensina,
Doces verdades sem rima,
Por vezes cheias de um ar tão sério,
São, para mim, a força de um vento
Ou o amor presente numa oração.

E caminhando ao seu lado,
Descobri cores, coisas, cacos,
Flores, felicidades, fé.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Escolha

Um mar de interrogações
Onde boiava o pensamento.
Se razão, se emoções...
Seguiria por qual vento?
O interior revirando só:
Vai-e-vem descompassado.
E no estômago, um nó,
Esperando ser desatado.
Tanta dúvida ajuntada
Era mesmo para inquietar.
O corpo gemia e chorava...
E elas ainda estavam lá.
As perguntas perguntativas,
De rasgar um'alma em mil!
Emaranhado de subjetivas:
Tantas palavras em rodopio.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Resistência

Ainda que feita de puro sisal,
Em trama flexível mas forte no cerne,
De tão puxada - com força abusiva,
Esgarçou-se demoradamente e sem alarde,
Até que num dia de balanço qualquer,
A corda jovial de sua resistência,
Estourou de uma só vez.
E partida ao meio,
Já não havia nó, cola ou fogo que a recompusesse.

Nuvem

Ao longe, migrava,
Era toda algodão...
E o vento a ventava,
Fluir na imensidão.
Talvez cama de anjo,
Pula-pula de alma.

De perto, dispersava,
Era só poluição...
E o vento a ventava,
Fumaça na escuridão.
Nuvem confirma o jargão:
Nem tudo é o que parece.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Divino ao Redor

Verde, vivo,
Cheiro do mato.
Mudas, ramos,
Grama molhada.
Fresco, água,
Os pés afundados.
Galhos, folhas,
Terra adubada.

Beijinhos, margaridas,
Espadas e pimentas.
Dedinhos, orquídeas,
Flores e suculentas.

Plantas para o coração.
Caminhos para a paz.
O divino ao redor.

Maldade - II

Sentada à mesa,
Cotovelos apoiados,
A saliva escorre
Pelo canto da boca.
Silenciosamente e
Demoradamente,
Aprecia as iguarias e
Rói até o osso.
É disso que come
E se satisfaz e
Conta aos chegados
Como fosse vantagem.
Fartura de maldade
Agrada seu paladar.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Tempo do Luto

Ver morrer um filho é ganhar um nó na garganta, que deseja desatar em gritos pela duração da eternidade. Engasgar e permanecer perplexo, pairando sobre a própria existência, anestesiado até as entranhas. Aguar-se às escondidas para não incomodar felicidades alheias. Tocar, sem demora, os outros tantos que ama, para não despertar-lhes aquela caridade piedosa; ou pior, por terror instantâneo de apegar-se ainda mais, a todos que vão. E ver tudo seguir, pela fresta da janela poeirenta daquele cômodo, em que se instalou temporariamente, apenas para se proteger dela: a vida.
- Pára o mundo que eu quero descer!
Longo mergulho, sem respiro, toneladas amarradas ao corpo rumo ao escuro, vazio, sem som, da solidão. Quando, então, os pés tocam o fundo viscoso desse poço quase sem fim, só poderá ser deles a força e o impulso para retornar à superfície; subir à tona para observar, cuidadosamente, a nova vista. E enfim apreciá-la, sem a pena da memória, só com o sabor da saudade.