Na volta da escola, sozinha num dos bancos do ônibus, Lara só conseguia pensar nos olhos vermelhos de Sueli, que por tanto tempo foi sua cúmplice. Doía muito sentir que deixaria sua melhor amiga no meio do nada daquele lugar. Sabia que Sueli a amava demais e que bem por isso ficou revoltada. Mas já tinha decidido que nada a impediria de buscar suas origens e de conhecer sua verdadeira história.
Ao chegar em casa, tentou esconder o rosto da madrinha, que escolhia arroz na cozinha. Passou rápido por ela para que não visse como estava feia e triste por sua atitude inconsequente. De soslaio, Dinha percebeu que Lara estava deveras vermelha na face e foi logo se adiantando:
- Num dianta achá que nun sei das coisa e qui num vejo sua cara massada, viu? Vorta aqui! Dêxa eu vê direito isso aí.
Como sempre, Lara obedeceu e mostrou o rosto estapeado. Dinha olhou dentro de seus olhos com muita decepção mas não lhe disse nenhum desaforo .Pegou um bocado de batatas descascadas e fatiadas e colocou sobre o machucado para aliviar a dor.
- Ocê num percebeu qui tudo isso só vai machucá ocê? Num intendeu ainda qui si procurá o qui qué ocê vai perdê coisa dimais?
Lara foi para o quarto e começou a separar umas roupas. Foi colocando sobre a cama uns poucos pares de meias, calcinhas, pijama e camisola, blusinhas, calças, uma saia, duas bermudas, o uniforme e dois agasalhos de inverno. Abriu a sacola de ráfia da feira para acomodar tudo dentro. Acrescentou o caderno, o lenço estampado de seda, o terço, a boneca de pano e um xale de lã bem puída.
Dinha olhava para Lara arrumando as malas com uma atitude impassível. Não chorou, não falou, não moveu um braço sequer. Apenas observou com angústia a sua menina de dez anos, que se obrigava a amadurecer tão cedo, preparar sua partida.
Lara ainda passou pela cozinha, encheu uma garrafinha de plástico com água de beber, pegou um saquinho de biscoitos amanteigados e algumas maçãs. Carregando com dificuldade o peso de suas coisas, parou defronte a madrinha e disse apenas três palavras, que seriam as últimas que Dinha ouviria de sua boca pelo próximo ano:
- Não me segue.