quarta-feira, 8 de maio de 2013

Aquela

Eu sou uma daquelas que atrapalhou a sua volta para casa hoje. Atrasei você, aumentei o congestionamento da cidade e te irritei com meus brados. Eu sirvo para educar os filhos da cidade, mas não sirvo para receber aumento, valorização e condições dignas de trabalho. 
Você deseja que eu esteja no meu lugar, fazendo o meu trabalho, educando os filhos da classe trabalhadora. Mas não apóia que eu reivindique que esse lugar de trabalho seja decente, xinga a minha manifestação, lá do alto do prédio e da sua condição social, e cospe lá de cima na nossa cara.
Eu sou uma daquelas que tem a mão seca de pó de giz, com calos de tanto escrever, mas cheia de carinho para dar, de afagos para as cabeças das crianças. Mas você quer a minha mão na lousa e não na bandeira. Você a quer na caneta azul atribuindo notas aos alunos, e não na mão de outro companheiro, que está nessa corrente comigo.
Eu sou uma daquelas que poucos almejam ser. Será que vou virar raridade? Mas você só está onde está porque teve alguém como eu ao seu lado, segurando sua mão, te ensinando a usar o lápis, te incentivando a ler, a usar bem o corpo, a gostar da beleza, a respeitar o amigo e as coisas dele...
Eu sou uma daquelas que sai de casa bem arrumada e volta descabelada. Que come marmita, merenda, em quinze minutos, para atender um pai desnorteado, uma mãe preocupada...
E faço o papel de mãe, pai, amiga, psicóloga, assistente social... mesmo sabendo que não é meu papel e que isso me desvaloriza. Porque a situação é tão precária, que não me sobra coragem para ignorar o outro e sua demanda urgente de ser gente e ser respeitado e atendido.
Eu sou uma daquelas que planeja a aula, o projeto, o dinheiro no final do mês. Que leva para casa os desaforos, as provas para corrigir, o desrespeito... e fica fazendo terapia depois para entender o que está acontecendo.
Está acontecendo e todo mundo vê, mas ninguém quer se comprometer. Está acontecendo e já faz tempo. Faz tanto tempo que já se perdeu a conta de quantas vezes lutamos, de quantos são os analfabetos funcionais no país...
Eu sou uma daquelas que mal dorme, que mal descansa, que tem pouca saúde e um montão de problemas.
Aquela que perdeu a mãe ou o pai ou o marido ou o filho, aquele que anda de ônibus lotado ou que está com o carro batido mas não tem dinheiro para consertar, aquela que sai cedinho e volta bem tarde e ainda tem que cuidar da casa, da família, do cachorro adotado e das provas e das mensagens dos alunos no facebook, aquela que está de licença, doente e cansada... Eu sou aquela, como você, com uma história.
Nessa história, sou aquela Professora, com muito orgulho, de greve, justamente porque sou EU a professora.