quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Caos

Estavam de tal maneira que cercavam-se entre si. Metralhadoras em punho, cada qual apontando para outro, que se atirassem todos, ao mesmo tempo morreriam. Em frente ao carro da moça, esta cena desfigurada se apresentava como realidade, num dia quente, em que ela acabara de sair do trabalho a caminho de casa. Passava pela viela, para cortar caminho, carregando no veículo os pertences e mais três amigos aos quais dava carona diariamente. Parou atordoada e subitamente, todos os olhos atentos àqueles homens de cara lavada, expressões de ódio. Gritavam para que saíssem imediatamente de carro, com as mãos para o alto. Fizeram o que mandaram.

Eram tempos estranhos. Todos tinham tudo, menos o essencial. Celulares, carros do ano, computadores, televisões, acesso a internet. Escolas lotadas, planos de saúde atingiam marcas incríveis de adesão, dinheiro no banco rendendo em investimentos e carteiras atraentes. Mas não havia mais água e nem comida. O bem mais precioso, que alimentava vitalmente os humanos, estava esgotado. Água potável não era mais regalia de poucos. Não havia moeda que a comprasse porque a Terra estava seca. E com isso, a comida se foi. Plantações inteiras perdidas. Animais morreram de sede. Sobraram apenas as cápsulas.

Pois seguiam-na sempre, a espreita, especulando porque ainda era saudável. Perceberam que todos os dias, a pequena frasqueira vermelha ia e voltava. E seu corpo continuava esbelto. Não era raquítica como os outros. Não tinha olheiras. A pele não descamava e nem as unhas. Os cabelos eram fartos. Sim, ela bebia água e comia. Estava ali, tudo na frasqueira!

- Passa a marmita! Anda, vamos, dá essa marmita, se não nos matamos todos, na sua frente! 

A moça chorava copiosamente. Tinham-na descoberto. E esse era seu fim. Poderia deixar prá lá, que se matassem mesmo, afinal era pouca carne humana perdida, comparada ao seu segredo, que a mantinha viva. Mas será que conseguiria voltar a dormir, todas as noites, com a sombra da morte alheia nos ombros, pesando sobre seu livre arbítrio? E se cedesse a tal ataque, logo se tornaria alvo de outras tantas pessoas, que a perseguiriam, porque fofoca voa rápido, até que enfim não tivesse mais chance e se tornaria mais uma moribunda, a procura.