quinta-feira, 23 de setembro de 2010

# Tentativa 3 - Continuação #

- Minha mãe não me quis, né? Não tem nada dessa história dela ter ficado doente...
- Mais qui qui cê tá dizenu agora, minina?
- Você só não me contou para eu não ficar triste, né? Pode dizer!

          Os olhos negros de Lara fitavam profundamente os da madrinha, que não sabia como responder tal pergunta. Tão pequena e tão esperta, a garota sempre estava voltando com o queijo cortado enquanto Dinha ainda tinha ido pegar a faca.
          Dinha foi para a horta, tirou os chinelos de dedo, sentiu a terra se acomodando nos vãos do pé enrugado e calejado, sentou e chamou a menina para junto. Lara se encarapichou no meio de suas pernas, bem quietinha e escutou tudo com atenção.
          Não tinha medo de ouvir as verdades por tantos anos escondidas. Estava curiosa, apreensiva. Por mais que as histórias pudessem deixá-la desconsolada, algo dentro dela queria saber, queria entender.

- Fia, sua mãe era uma muié difícir de lidá, muito cabeça di vento ela. Num parava do lado di marido ninhum purque era meio disbocada e num levava disaforo prá casa, não! E si os homi quiria mandá nela, ela logo se livrava deles. Pur isso é qui seus irmão são um di cada pai.  E ela foi dexanu os fio por aí purque num tinha dinhero prá cuidá deles sozinha, num tinha pacencia prás criança. Intão, quanu ela fico prenha docê, foi a gota! Purque ela já tava apaxonada pelo seu pai, qui trabaiava no posto mais ele batia muito nela. Intão, quanu ocê nasceu, ela ficô cum medo danado dele machucá ocê e achou mió dá ocê prá alguém.

          A menina interrompeu bruscamente, levantou-se ne perguntou:

- Mas porque ela não fugiu comigo e deixou meu pai, meu Deus?!
- Acho qui ela tava dimais di apaxonada e cum medo purque ele era muito ruim, sabe? Não, num sabe não, num é nem prá sabê. A verdade é qui quanu eu fui buscá ocê, ela num mi ixpricô direito nada purque tava muito atormentada a tadinha. Tinha tomado um mundo di remédio prá drumi.
- Remédio?
- Ai, santu, é mió eu pará di falá. Chega dessas cunversa.
- Se você não me contar, eu vou saber de qualquer jeito porque eu vou procurar as histórias onde é que elas estiverem.
- Lara, ocê doidô di veiz?

          E a pequena começou a chorar. Soluçou. Dinha tentou abraçá-la junto ao peito mas Lara esquivou-se, foi para sua caminha e enfiou a cara no travesseiro. Não queria saber de carinhos e dengos.
          Dinha achou que a menina chorava porque tinha achado a verdadeira história de sua mãe uma tristeza sem fim. Mas não. Lara chorava porque já estava sentindo saudade do cheiro da madrinha, que deixaria para trás junto com esta minúscula cidade no meio do mapa. Chorava porque não conseguia imaginar como seria sua vida sem ela.