terça-feira, 28 de maio de 2013

Da Indiferença

Rabo de olhar.
Manhã sem bom dia.
Despedida sem beijo.
Palavras que vagam:
Sozinhas, monólogas.
Solilóquios coitados.
Presença sem alma.
O toque extirpado.
As costas, a nuca:
Imagens do que restou.
Chamada em espera.
E-mails nos spam.
Sombra que percorre
Cômodos sem calor.
Um bom sapateado
Na dignidade alheia.
Está posta a mesa
Para um só comer.
Os talheres escondidos
No pano recalcado
Da velha indiferença.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Canto para Oxum

Eu vi mamãe Oxum chorando a morte
Do filho consagrado ao Pai do céu.
Em volta dela era um rio de pranto
Feito de puro amor com gosto de mel.

Luzia o ouro do teu ventre aberto,
Imerso n'água calma e infinita...
E coroada de lírios da mata
Era a mulher mais só e também a mais bonita.

Sua dor corria ao longe, pro oceano:
Espelho do céu, nossa Aruanda.
Oxum, doce mamãe que tanto amo,
O teu brilho vivifica e meu coração encanta.

sábado, 11 de maio de 2013

Para sempre Mãe

I

Um sorriso largo
Estampa meu rosto,
Na volta para casa,
Porque você me espera.
Pode ser sol, chuva
Ou um dia tedioso:
Eu recebo teus beijos,
Carinho e abraço,
Afago e calor no colo.
Para sempre filha,
Isadora.

II

Uma paz mansa
Inundará minh'alma,
Na volta para Casa,
Porque você me espera.
Já não haverá vento,
Sombra ou nebulosa:
Eu receberei teus beijos,
Carinho e abraço,
Afago e calor no colo.
Para sempre filha,
Heloísa.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Aquela

Eu sou uma daquelas que atrapalhou a sua volta para casa hoje. Atrasei você, aumentei o congestionamento da cidade e te irritei com meus brados. Eu sirvo para educar os filhos da cidade, mas não sirvo para receber aumento, valorização e condições dignas de trabalho. 
Você deseja que eu esteja no meu lugar, fazendo o meu trabalho, educando os filhos da classe trabalhadora. Mas não apóia que eu reivindique que esse lugar de trabalho seja decente, xinga a minha manifestação, lá do alto do prédio e da sua condição social, e cospe lá de cima na nossa cara.
Eu sou uma daquelas que tem a mão seca de pó de giz, com calos de tanto escrever, mas cheia de carinho para dar, de afagos para as cabeças das crianças. Mas você quer a minha mão na lousa e não na bandeira. Você a quer na caneta azul atribuindo notas aos alunos, e não na mão de outro companheiro, que está nessa corrente comigo.
Eu sou uma daquelas que poucos almejam ser. Será que vou virar raridade? Mas você só está onde está porque teve alguém como eu ao seu lado, segurando sua mão, te ensinando a usar o lápis, te incentivando a ler, a usar bem o corpo, a gostar da beleza, a respeitar o amigo e as coisas dele...
Eu sou uma daquelas que sai de casa bem arrumada e volta descabelada. Que come marmita, merenda, em quinze minutos, para atender um pai desnorteado, uma mãe preocupada...
E faço o papel de mãe, pai, amiga, psicóloga, assistente social... mesmo sabendo que não é meu papel e que isso me desvaloriza. Porque a situação é tão precária, que não me sobra coragem para ignorar o outro e sua demanda urgente de ser gente e ser respeitado e atendido.
Eu sou uma daquelas que planeja a aula, o projeto, o dinheiro no final do mês. Que leva para casa os desaforos, as provas para corrigir, o desrespeito... e fica fazendo terapia depois para entender o que está acontecendo.
Está acontecendo e todo mundo vê, mas ninguém quer se comprometer. Está acontecendo e já faz tempo. Faz tanto tempo que já se perdeu a conta de quantas vezes lutamos, de quantos são os analfabetos funcionais no país...
Eu sou uma daquelas que mal dorme, que mal descansa, que tem pouca saúde e um montão de problemas.
Aquela que perdeu a mãe ou o pai ou o marido ou o filho, aquele que anda de ônibus lotado ou que está com o carro batido mas não tem dinheiro para consertar, aquela que sai cedinho e volta bem tarde e ainda tem que cuidar da casa, da família, do cachorro adotado e das provas e das mensagens dos alunos no facebook, aquela que está de licença, doente e cansada... Eu sou aquela, como você, com uma história.
Nessa história, sou aquela Professora, com muito orgulho, de greve, justamente porque sou EU a professora.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

João e Maria - parte III

Opostos cruzando a avenida,
Cegos com olhares profundos,
Num segundo estavam ao chão.
Lanternas, medo, grito, colisão
E os desejos quase moribundos.

Tudo a volta ficou desrimado.
Estatelados e um tanto distantes,
Buscavam, no asfalto, um encontro:
Fosse mágico como um poema
E sincero como o branco da rosa.

Em leves movimentos dos dedos,
Procuravam-se, pois, um ao outro...
Sabiam-se dois desde sempre.
Esqueceram do trem e do terno
Porque, enfim, o tempo parou.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

João e Maria - parte II

Cachos, fitas, laços de cetim,
Vestido apertado confinando o ar.
Tanta vida nesses sapatinhos
Presos ao quarto cheio de ursinhos...
E se o tempo pudesse voar?

Na boca, aquele mesmo sim
Quando o coração só quer negar.
Está cheia de tanto carinho,
Quer o vento, o não e o espinho,
O prazer de poder experimentar.

Em goles bebeu suas luas,
Loucuras preencheram seus dias.
Eram músicas, tatuagens e cores
Que fingiam esconder suas dores,
De um tempo que nunca sumia.

Diversão garantida numa mão (ou duas)
Ovelha loira desgarrada das tias.
Noitadas, mas poucos amores.
Rotina de beijos sem flores...
Para onde será que iria?

Sozinha vagando num cinza sem fim,
Plano definido: morrer na estação
E deixar o vazio na frente do trem.
Quando então se desvela um quem:
Para quem nunca olhou, um tal de João.