quarta-feira, 17 de novembro de 2010

GLICÍNIA

Apagaram glicínia do meu dicionário.
Como se já não bastasse o lilás que jazia na página branca,
Resolveram, de vez, excluir a beleza pouca que restava de sua memória naquela impressão sem luxo.
Glicínia merecia tanto...
Cachos pendentes de flores roxas exigiam mais do que a definição remota da cor dos lábios de uma mulher morta.
Não contive minha indignação!
Onde colocaram glicínia?
Extirparam a língua e o meu coração?
Ah, meu Deus!
Apagam palavras como apagam as luzes, assim, sem pudor ou compostura.
Então encontrei-na nas velhas folhas de um vocabulário ilustrado de 1979 e meu coração apaziguou-se momentaneamente:
Sim, havia um lugar reservado e especial para glicínia, para seu cheiro e para a honra (da qual era dona).
Ainda que minha revolta esteja entalada no peito e que eu veja claramente como minha espécie é traiçoeira,
Ainda que eu sinta a dor cruel de estarem nos apagando, aos poucos, silenciosamente...
Ah, glicínia, que bom que estavas lá,
Para recordar-me de sua imagem através de suas letras.
Senti saudade.