domingo, 24 de julho de 2011

Meditação

É bom este armário em que guardo meus pertences.
Silencioso e servil, está sempre de pé para receber o que nele deposito.
Roupas, presentes, objetos de consumo, lembranças, desejos.
Imponente, ainda que de humilde madeira, ele é fiel há mais de 20 anos.
Nunca saiu dali e nem sequer repudiou minhas mãos geladas.
Abro e fecho suas portas quantas vezes eu quiser e, ainda assim, quieto.
Escureceu com o tempo e impregnou-lhe um pó de poluição.
Por vezes o aliso com flanela úmida para que sinta-se, talvez, querido.
Falei-lhe poucas vezes, a maioria esbravejando com suas dobradiças.
Mas não deu-me ouvidos e nem guadou rancor, prestativo, ali ficou.
Apesar de que já roubou-me coisas, pequenas coisas que guardei.
Sim, elas sumiram. Suponho que ele possua um buraco negro, grande.
Como aqueles das bolsas das moças.
Não fiquei por isso nervoso ou incrédulo de sua devoção.
Aos sábados, deixo todas as suas portas abertas, para que sinta o vento.
Presumo que o ar frio que circula em seu interior, nesses dias, o refresca.
Como a brisa que gosto, logo cedo, ao caminhar numa manhã de outono.
Este meu armário, íntimo de meu quarto, conhece até meus segredos.
Viu-me despir e vestir tantas quantas vezes precisei, sem criticar:
Minha velhice, minha barriga, minha flacidez...
Também ouviu minhas conversas com o espelho, ou pelo telefone...
Fitou minhas companhias, foi cúmplice dos choros e gozos...
Ah, como gosto deste meu bom armário!