Desde sempre gostou de poesia. Ainda na época de colégio, escrevia tanto que se fez necessária uma pasta, para organizá-los. Como ainda não tinha acesso a tecnologia de ponta por ser cara, usava uma máquina de escrever Olivetti, tão compacta que cabia numa maleta, que fora de sua mãe. Datilografava rápido e fez até um curso de aperfeiçoamento para que produzisse com mais eficácia.
Os poemas eram sua vida. Carregava a tal pasta para todos os cantos, lia os versos para os amigos mais íntimos e chegou também a vendê-los.
As garotas que desejavam conquistar seus amores e não sabiam ao certo o que dizer a eles, logo a procuravam na busca de poesias bem feitas, que pudessem derreter os corações. A preços módicos, seus poemas faziam as pessoas felizes e ela, por sua vez, conseguia comprar um pacote de salgadinho e uma Coca-Cola na cantina da escola, as sextas-feiras.
A tal pasta cresceu tanto que logo ficou pequena. A alternativa foi encadernar as folhas, em pequenos blocos de 100 páginas. Além disso, catalogou os títulos e os dividiu por temas, para que ficasse mais fácil na hora de selecioná-los. Os temas eram identificados por cores: vermelho para os de amor, amarelo para os de amizade, preto para os de solidão, azul para os autoreferentes, verde para os nacionalistas, laranja para os de crítica social e etc... Hoje, ria da tal classificação!
Entre os 13 e 16 anos, escreveu tanto que criou calos nos dedos da mão direita e nem olhava mais para as letras quando datilografava os manuscritos. Depois, começou a tranformar alguns deles em músicas, cifrando-os para violão. Suas músicas faziam sucesso nas rodinhas, madrugada a dentro na praia, ou no intervalo das aulas do Ensino Médio.
Passou o tempo e com a chegada do computador pessoal, abandonou a velha máquina. Poucos novos poemas já estavam digitados; a maioria ainda permanecia nas agendas, esperando uma brecha em sua louca vida sem tempo, para que pudesse sair dali.
Além de fazer poesia, gostava de ler poesia. Florbela Espanca, Pablo Neruda, Vinícius de Moraes, Mário Quintana, J.G.de Araújo Jorge, Carlos Drummond... Estavam sempre na cabeceira de sua cama, velando seus sonhos.
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Achou engraçado retornar àquilo que sempre a acalmou e lhe trazia prazer. Para ela, escrever era tão fundamental como tomar banho, comer ou dormir. Não compreendia como havia ficado tanto tempo distante daquilo que amava. Por que será que tinha se afastado das palavras, do papel, da criação?
Mais tarde, selecionou poemas que havia escrito em suas agendas esquecidas - algumas poucas ainda estavam guardadas em uma gaveta de seu criado mudo - e os transcreveu para o livroblog, na intenção de tentar o caminho das sutilezas da alma.
Muitos nem nome tinham, estavam rabiscados ou corrigidos com o próprio lápis; setas ligavam pensamentos a outros no papel.
E prometeu para ela mesma que, no dia seguinte, resgataria seus compilados e encadernados.