terça-feira, 30 de abril de 2013

João e Maria

Solas gastas no vermelho da terra,
Sonhos pairando no cheiro do ar.
Bolas de gude e goles de tubaína,
Pique-esconde só até a esquina...
E se o tempo pudesse parar?

No peito, a voz rouca que berra:
Pelo instante, o doce e o mar.
Quer o riso fugas da menina,
Toda a paixão e adrenalina...
E se o tempo, enfim, esgotar?

Então os livros comeram as luas
E os amigos saciaram os dias.
Aquele tempo, sempre tão veloz,
Era mísero, seu fiel algoz,
Que os desejos secretos consumia.

Trabalho regrou uma mão ou duas.
Engravatado e bonito para as tias.
Restou, nesse mundo feroz,
Lamentar o tempo - animal atroz,
E a vida que aos sete (e dezessete) queria.

Quando o céu cinzento de agosto,
Iluminado de fogos de artifício,
Segurou sua mão diante do precipício:
Vinha leve, sozinha, vestia poesia...
Era sua, menina, era ela, Maria.

(para Rafael Lucas completar quando quiser) 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Quimeras

O olhar.
Pesquisa da alma.
Queria a alma lhe atravessando.

O toque.
Interesse das mãos.
Queria as mãos nos cabelos.

O abraço.
Vontade do peito.
Queria o peito colado no seu.

O carinho.
Escape do amor.
Queria o amor tirando seu ar.

O sorriso.
Florir dos lábios.
Queria os lábios de lua crescente.

O beijo.
Desejo da boca.
Queria a boca no deserto das costas.


sábado, 20 de abril de 2013

Senhora

Aquieta.
Carrego o peso dos teus braços vazios
E lavo os teus pés com lágrimas de amor,
Para sentir-se acolhido em teu caminho,
Como num ventre, concha ou ninho
- filho meu.

Adormece.
Cubro com meu manto azul e sagrado
O teu corpo doído e um tanto machucado,
E conduzo pela mão tua alma renascida
Até onde ela possa, enfim, repousar
- nosso céu.

Acorda.
Derramo felicidade gratuita em teu dia,
Dádivas de sol, chuva, vento e terra macia,
Na vontade de ver-te sorrindo outra vez
Em sua busca pelo que está guardado
- e é só seu.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

De volta

Seus pés velhos e caminhantes, de unhas compridas e um tanto lascadas, afundavam nas areias quentes e finas de seu deserto. Estava cansada de suas receitas mágicas para plantar maldades. Toda vida carregara aquelas vestes que se arrastavam junto a seu corpo - retalhos costurados a mão, um a um, de todos os tons de negro do espaço. E os cabelos ralos, longos, branqueados na fronte, desgrenhados feito um capim mordido, aqueciam seu colo vazio de amor. Que falta fazia um bom fogo naquelas gélidas noites, em que ventava poeira em seus olhos. O dedo, de tanto apontar os outros, fora tomado por uma artrose sem fim, que consumia suas raras intenções de carinho em seu urubu de estimação. E a cada estação, na eternidade de sua alma, crescia uma solidão também sem fim. Suplicando à vida, ao menos uma porção de afeto e um esboço de sorriso, comeu da terra, bebeu da chuva e ardeu seus olhos ao sol farto da manhã. Sem resposta, cavou um buraco bem profundo com o pouco de energia que lhe restava. Enterrou-se de pé, até o pescoço, apenas com sua razão descoberta, para ver se brotava como um cacto. Enraizou-se, sentiu-se acolhida. E finalmente, ao seguir de tantas luas, não vingou e cumpriu a bruxa que lhe fora emprestada.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Autorretrato

I

Que traço, maneio, imagem que sou?
Qual forma, perfil, do rosto, restou?
Escolho uma veste e um humor para o dia
Que não é, finge ser, o que de fato eu seria.


II

O que vive em mim,
Perturba, revira e lateja,
Pois não mostro assim
Pr'um passante que lampeja.

Escondo, tenho medo,
Quero sumir da vista
E da ponta do dedo
Que me julga e revista.


III

Meu dentro verdadeiro
Por vezes emporcalhado,
Noutras, tanto derradeiro
De amores consumados.

Meu secreto que guardo,
Fino, leve e frágil cristal,
Cálice de todo o sagrado,
Montanha de bem e mal.

E se não agrado
Com meu deserto de sal?


IV

Anjo e monstro convivem
Em meio à minha ferrugem.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Rimas prá Depois

Éramos sós.
Amores livres.
Desejos grandes.
Planos demais.
Respiros rápidos.
Setas disparadas
Por ruas incertas.
Alvos comuns?

Éramos dois.
Apenas nós.
Sonhos de cores.
Mundos diversos.
Caminhos novos
A passos largos.
Promessas, beijos,
Flores e mentiras.

Éramos três.
Unidos mais.
Tempos de menos.
Os pés atados.
Vezes de dores.
Dias de risos.
Talvez mais presos
Nuns anos felizes.

Éramos quatro.
Esperanças finitas.
Em poucos minutos,
Longos e intensos,
Voltamos sem paz.
Imensos vazios.
Desertos sem sóis.
Lágrimas a mais.

Éramos sós.
Juntos separados.
Explosões contidas.
Tapas e palavras
Carinhosas, malditas.
Semanas de caos.
Estávamos restos
Cheios de nós.

Ainda éramos nós:
Carregando-nos os três
E as rimas prá depois.