sábado, 26 de outubro de 2013

Sobre a Sabedoria

Isadora, minha filha de 4 anos, segura sua boneca Laís no colo, a quem chama de filha nessa última semana. E assim começa:

- Filha, você sabe sobre as vidas? Não? Eu vou te explicar sobre isso. Primeiro a gente é bebê, depois criança, depois adolescente, daí é jovem, depois é adulto e depois velhinho. Daí depois a gente morre e vai pro céu. Daí lá a gente tem outra mãe e fica um pouco e depois a gente volta e começa tudo de novo, primeiro bebê, depois criança, depois adolescente, tudo de novo, entendeu? Mas você é boneca e então não é assim. A boneca tem vidas, porque agora eu sou sua mãe, mas quando eu crescer e for adulta, daí você vai ter outra mãe porque uma criancinha que não vai ter brinquedo vai ter você porque eu vou fazer doação de você. Então você também vai ter vidas, entendeu?

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mistério do Trono de Oxum

Amar sem reservas e condições, com toda a verdade e pureza,  com a alma e a grandeza que o outro merece apenas por ser.
Tudo o que é, precisa ser amado, na totalidade de seu bem e adversidades.
Porque só o amor gera, cria, alimenta, cuida, ensina, reina e leva.

Menina Oxum

Preta d'água de cachoeira
Menina travessa e faceira
Adornada de contas azuis

Vestida de ouro do firmamento
No colo embala um rebento
Do teu amor feito de luz

Alimenta de leite e mel
- delícias que vêm do céu -
Seus filhos de coração

E apresenta-lhes toda a beleza
Do poder de tua natureza
Que gera vida como uma oração

Desespero

Sozinha, num banheiro trancado, sentada na louça sanitária, as pernas encolhidas e o rosto afundado entre as mãos. Chorava querendo colo, um carinho que não vinha, pedia socorro sem que ninguém soubesse. E murmurava orações enquanto pressionava as mãos contra o peito, súplicas de compaixão porque sabia que se o céu desabasse seria melhor. Toda aquela aguaceira da lágrimas ajuntadas se rebelaram num de repente e o dilúvio tomou conta dos cabelos, das horas e os gritos sufocados viraram um nó que não desatava. O seu mundo tremia e o tempo parou. 

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sobre a Cumplicidade

- Mamãe, você é a melhor mãe que eu tenho!
- Que bom filha! E você é a melhor filha que eu tenho nesse mundo!
- E a Heloísa?
- É a minha melhor filha do mundo de lá.
- Por que ela morreu mãe?
- Por que ela não conseguiu respirar bem filha… e Deus precisou dela.
- Para que?
- Para ajudar ele nas tarefas do céu, ora!
- Mas daí você ficou sem filha e ficou triste.
- É, a mamãe ficou bem triste mas está tudo bem.
- E eu fiquei sem irmã e fiquei triste.
- Eu sei, mas ela está no nosso coração.
- Sabia que ela está ouvindo tudo isso mãe?
- Sabia.
- Mãe, e você já está pronta para outra?
- Acho que sim e você?
- Eu também estou!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Vaidade

O dia nublado não era indício de coisas grandiosas na sua rotina.
Caminhava demoradamente na larga passarela ladrilhada que atravessava a avenida.
A moça, bem comportada em seu conjunto marinho e saltos agulha, braços estendidos ao longo do corpo, levava na mão direita, guardada na palma fechada, uma moeda brilhante.
Ao primeiro pedinte, sentado junto à sarjeta, por qual passou sem nem baixar os olhos, doou a moeda jogando-a no colo encardido dele.
E numa fração de segundo ela olhou para trás, procurando a cumplicidade de um estranho que tivesse acompanhado a cena e que pudesse julgá-la, como tanto desejava no fundo da alma.
Sim, que esse desconhecido a tomasse por uma boa mulher, dotada de compaixão ímpar e que a invejasse em sua bondade e carisma.
O cinza do céu tinha-lhe enganado: pois encontrou um rosto que a mirava e que seguia seu andar com os olhos. Um alguém a quem podia mostrar-se, ainda que mentirosa.
E então ela sentiu correr por todas as suas veias um calor. O único calor que a aquecia.
A moça enrubesceu e sorriu porque sua velha companheira vaidade, a quem amava como uma cadela, estava ali de novo, para dar-lhe segurança.

sábado, 12 de outubro de 2013

Inveja

As roupas.
Os truques.
As frases.
Os amigos.
As viagens.
Os sonhos.
As manias.
Os desejos.
E até os medos.
Tudo, tudo,
Tudinho dos outros:
Queria, queria,
Queria um tanto imenso.
Então imitava, imitava,
Seria igual?
Ah, era tão infeliz,
Consumida em seu mal!

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Cantiga para Mainha

Manha, manha
Mainha Oxum
Teu colo é doce
De alcaçuz
Guarda minh'alma
Ainda criança
Sob o amor
Da tua luz
Sol das nações
Brilho dos rios
Dourada feito
A cor do mel
Senhora nossa
E rainha
Mainha Oxum
Minha e do céu

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobre a Propaganda Enganosa

Mais uma pérola na volta de carro para casa:

No semáforo vermelho, minha filha Isadora conversa com sua boneca Beatriz, a quem considera filha e com quem dorme muitas noites. Isadora está sentada na cadeirinha do banco traseiro e, apontando para uma loja da rede Mc Donalds, dispara:

- Assim não é possível, filha! Todo mundo dessa cidade sabe que isso é um Mc Donalds, porque olha ali, eles usam essas redinhas no cabelo. Então para que essa foto grande do hamburguer ali? É só para a gente olhar e ficar com vontade de comer e daí a mãe da gente compra e adivinha? Ele é muito salgado! E daí o filho pede (fazendo vozinha de bebê): mamãe eu quero um hamburguer com brinquedinho! (voltando a fazer a própria voz) E daí vem um brinquedinho que não é caro, é um desses que custa zero reais!

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Sobre a Despedida

Era uma vez uma florzinha, cheia de vida, guardada dentro de uma semente.
Estava acolhida, recebendo nutrientes e cuidados mas ela sabia que logo ia nascer.
Então se preparou bem.
Aproveitou tudo o que pode da terra porque sabia que nascer era coisa difícil.
Já tinham lhe contado dos ventos, intempéries e homens maus.
Chegada a hora tão esperada, brotou para fora do solo e percebeu o ar gelado que tocava suas pétalas, os sons e luzes ao redor.
Assustada, ficou quietinha e olhou em volta.
Foi quando se deu conta de que ser flor era pouco para toda a sua graça.
Era manhã.
Despetalou-se toda a frente de olhares tão tristonhos e foi murchando, até voltar para a terra, ao fim do dia.
O jardineiro aguardava ansioso por aquele dia afinal, tinha cuidado da florzinha com todo o seu coração.
Quando viu a pequena morrendo, correu para dar-lhe água mas de nada adiantou.
Ainda tentou tocá-la, mas era tarde.
Apenas acompanhou, solitário, aquela beleza efêmera e depois, teve que partir para cuidar das outras importantes plantas do seu jardim.
Mesmo triste, sabia que outras flores dependiam de suas habilidades.
A florzinha, em pedacinhos dispersos na terra, demorou uns dias para se recompor; pensou bastante e decidiu onde queria morar.
Mas antes de embarcar nessa nova aventura, a bondosa flor decidiu despedir-se de seu amável cuidador.
No instante que uma brisa delicada passava por ali, deixou que algumas de suas pétalas tomassem carona e voassem até a janela do quarto de dormir daquele bom moço.
Ele estava acordando de um sonho gostoso, em que trabalhava bastante aguando seu jardim…
Ainda com sono, pode reencontrar as pétalas da florzinha, apoiadas no parapeito.
Então ele soube que sua pequena estava bem e muito feliz com os planos da nova viagem que iria fazer e onde queria morar.
Nesse dia, o jardineiro teve certeza que queria ser jardineiro para sempre.