quinta-feira, 11 de abril de 2013

De volta

Seus pés velhos e caminhantes, de unhas compridas e um tanto lascadas, afundavam nas areias quentes e finas de seu deserto. Estava cansada de suas receitas mágicas para plantar maldades. Toda vida carregara aquelas vestes que se arrastavam junto a seu corpo - retalhos costurados a mão, um a um, de todos os tons de negro do espaço. E os cabelos ralos, longos, branqueados na fronte, desgrenhados feito um capim mordido, aqueciam seu colo vazio de amor. Que falta fazia um bom fogo naquelas gélidas noites, em que ventava poeira em seus olhos. O dedo, de tanto apontar os outros, fora tomado por uma artrose sem fim, que consumia suas raras intenções de carinho em seu urubu de estimação. E a cada estação, na eternidade de sua alma, crescia uma solidão também sem fim. Suplicando à vida, ao menos uma porção de afeto e um esboço de sorriso, comeu da terra, bebeu da chuva e ardeu seus olhos ao sol farto da manhã. Sem resposta, cavou um buraco bem profundo com o pouco de energia que lhe restava. Enterrou-se de pé, até o pescoço, apenas com sua razão descoberta, para ver se brotava como um cacto. Enraizou-se, sentiu-se acolhida. E finalmente, ao seguir de tantas luas, não vingou e cumpriu a bruxa que lhe fora emprestada.