Eu sou uma mulher branca, descendente de italianos e espanhóis.
Nasci numa família com pai e mãe, ambos com empregos.
Sempre tivemos casa própria na cidade de São Paulo.
Tive uma infância feliz.
Não lembro de ter tomado um tapa.
Meus pais têm nível superior e até hoje me apoiam em tudo.
Estudei em escolas particulares e pude fazer cursos extra-classe como violão.
Nunca passei fome, frio ou qualquer outra necessidade básica.
Comi coisas gostosas como danoninho e trakinas.
Pude escolher a faculdade que quis fazer.
Pude escolher trabalhar.
Tive acesso a livros, a Arte, a cultura em geral.
Sempre fui ao pediatra, ao dentista, ao oftalmologista...
Fiz uma pós-graduação.
Tive filhos com toda a estrutura necessária.
Moro bem, vivo bem, sou realizada.
Diante dessa minha vida confortável, elitizada, burguesa, era de se esperar que eu fosse mais uma pessoa envolvida no capitalismo perverso sem questionar nada, que eu aceitasse a manipulação da mídia e ficasse sentada em meu sofá vendo a globo passar.
Mas no primeiro ano de faculdade eu li uma coisa que mudou tudo em mim. Claro que não mudou a minha história vivida, mas como eu podia enxergar diferente a minha história. Eu li Paulo Freire.
E li sobre exploração, sobre direitos, sobre autonomia... E então eu li sobre tudo o que me causava espanto. E comecei a ver que para cada comida que entrava na minha geladeira, alguém não tinha o que comer. Que para cada dinheiro gasto conseguido com trabalho, outros tantos estavam no farol e sem trabalho... E então li sobre negros e índios e nordestinos. E li sobre a miséria, sobre a fome, sobre o Estado. Li muito sobre a Educação e sobre interesses a respeito dela. E comecei a olhar as pessoas nas ruas bem no fundo dos olhos.
Decidi ser professora.
Professora da rede pública de ensino na periferia. E de Arte.
É o mínimo que posso fazer para devolver à sociedade tudo o que ela me proporcionou com a exploração que sofreu e pela qual fui conivente mesmo sem saber. Exploração que me proporcionou a vida que tenho hoje. E professora da rede pública porque acredito que meu trabalho é bom e ele deve ser para todos. E de Arte porque é preciso mesmo de muita sensibilidade para combater discursos de ódio como os de hoje.
Portanto, me deixou deveras estupefata o cartaz com a frase "Basta de Paulo Freire". A pessoa que escreveu esse cartaz não deve ter lido nada sobre ele ou nada de sua obra. E se por acaso leu, é muito pior. Pois revela que tal pessoa não consegue perceber como sua vida está intrinsecamente ligada às vidas de outras pessoas, não percebe seu papel transformador na sociedade.
Tal cartaz só reforça em mim a vontade que tenho de ensinar. De dizer para os jovens e crianças de seus deveres e direitos, de como é importante ser sensível ao outro. E de que cada um está ligado ao outro, num grau de extrema responsabilidade.
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