Tomada por um descontentamento sem fim, daqueles tristes mesmo, em que não há palavras e nem gentes que lhe arrancasse ao menos um sorriso amarelo, a professora subia diariamente as escadas da escola como se estivesse acorrentada pelos pés; arrastava-se pelos corredores, olhando a todos e sem ver ninguém. As crianças, que sempre foram seu porto seguro e motivo de suas pequenas felicidades cotidianas, percebiam no seu rosto o quanto estava abatida e cansada; mas sabiamente não lhe perguntavam nada, para não fazê-la aguar-se ou derreter-se em meio aos diários, na sala de aula. Apenas cercavam-na em sua chegada a classe, para demonstrar-lhe afeto. Os mais serelepes, tentavam piadas cutinhas e bobas para deixar-lhe contente. E poucos, os mais quietos, faziam-lhe um carinho nos cabelos ou davam-lhe a mão quentinha, na hora da fila. Era fato que a professora, sempre tão alegre e disposta, passava por maus bocados, mas os pequenos sabiam que não poderiam compreender problemas de adultos e faziam a sua parte, sendo crianças mesmo. A professora viu guardada tanta tristeza dentro de si! Já não era mais salário, carreira ou os problemas de voz que a afligiam. Nem a indisciplina ou as tantas horas que passava em pé. Pensou que talvez fosse o descaso e a omissão. E ainda tinha aquela sensação terrível de não sentir-se parte de nada. Como se o fio invisível que passa em meio ao corpo estivesse rompido, a professora chegava em casa partida ao meio, com a alma em frangalhos, à procura de um banho de sais e um chá de melissa. Mas então, nessa rotina que nunca acabava, algo surpreendente aconteceu e tudo mudou. E nada mais seria como era antes. Para sempre. Naquela estranha noite chuvosa, enquanto todos dormiam e uns poucos boêmios afogavam-se em copos de pingas baratas, milhares e milhares - na verdade incontáveis - guarda-chuvas coloridos, abertos, caíram lentamente dos céus e ficaram planando sobre as casas, avenidas, por toda a cidade. A professora, que estava deitada com sua máscara de alecrim nos olhos, ouviu um barulho à janela; levantou-se e ao abri-la, lá estava ele, seu salvador: um guarda-chuva grande amarelo, pipocado de bolinhas rosa pink. Não hesitou. Não teve dúvida. Agarrou o cabo do guarda-chuva com toda a esperança que lhe restava no espírito e saiu voando com ele, mesmo consciente de que estava vestida com pijamas e pantufas. E nunca mais voltou.