Com quase dezoito meses, nenhum dentinho havia chegado, estavam para erupcionar. Era bem por isso que estava tão manhosa. Na semana anterior, assustou a todos com uma febre que foi embora rapidamente, do jeito que chegou. E de lá para cá, não queria mais saber de se alimentar bem. Tomava pouco leite, recusava as papinhas de frutas; nem o pão que tanto amava andava lhe fazendo vontade.
Há dias que estava preocupada com a bebezinha e se não fosse por estar de férias, o coração da mãe teria se apertado mais ainda, longe de sua filha todas as manhãs.
Naquele dia, havia preparado uma sopa de ervilhas, bem nutritiva, com tudo o que é substancioso, mas a filha não quis. Estava tão irritada que comeu apenas duas colheres da comida e logo bateu no talher, esparramando tudo pela roupa limpa que logo ficou verde, pelos cabelos e rosto. Havia feito o mesmo com a vitamina de frutas oferecida a ela pela manhã.
Ainda paciente, a mãe guardou cuidadosamente o que sobrou, trocou a roupa, lavou-lhe a face e os cachinhos. Preparou então um leite morno, que sempre tranqüilizava, na esperança da menina se alimentar um pouquinho, mas esta não quis nem bicar a mamadeira. Seus olhinhos cansados queriam dormir.
A mãe pegou-lhe no colo e começou a embalar, cantando uma música antiga e bonita, que sua mãe havia lhe ensinado... A menina chorava. Cantou outra, e outra, e ainda outra. Umas dez canções. Nada acalmava. A pequena apontava para as bonecas. Queria dormir com elas, seis bonecas ao mesmo tempo. Mas não há como uma mãe carregar sua filha e ainda seis bonecas, para fazê-la dormir.
Foi então que perdeu sua paciência costumeira e, apoiada nas dores que as hérnias de disco lhe causavam , falou alto com a bebezinha, em tom sério e nervoso: CHEGA!
Seus olhinhos assustados, na mesma hora encheram-se de lágrimas, e foi assim que a menina mal descansou quando finalmente dormiu, sozinha em seu berço. Ao acordar após o cochilo, a mãe percebeu as olheiras naquele rosto branquinho e delicado que tanto amava.
A certa altura da noite, não conseguia dormir, pensando em como havia sido grosseira com aquela criança indefesa. Estava arrependida. Tinha sido muito infantil. A menina não tinha culpa de nada.
Sentiu-se sozinha, incapaz de cuidar. Sentia falta de que cuidassem dela, de vez enquando, mas não permitia que ninguém soubesse de uma coisa como essa.
Será que a bebê estava tendo pesadelos? Será que estava sonhando com o dia exaustivo que tinha passado?
O coração da mãe se apertou ainda mais quando ouviu uma resmungadinha através da parede que dava para o quarto da filha. E então, com quase trinta anos, chorou feito a filha, de soluçar.
Esperava que um dia, todo o amor de mãe que dedicava a menina, é que ficasse em suas memórias mais remotas e não os erros, que estava sempre cometendo, como aquele daquela tarde.
:o:
Os dias passaram rápido demais e as noites, ao contrário. A febre, que foi causada por uma repentina virose, concomitante ao nascimento dos dentes, não as deixava dormir há dias. A única coisa a fazer era esperar tudo passar, administrando antitérmico quando necessário.
Doía demais ver a filha doente. Antes de se deitar, chegou a perder o ar só de pensar que a menina estava sofrendo. Não entendia como podia caber tanto amor em seu coração.
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