terça-feira, 14 de setembro de 2010

# Tentativa 3 - Continuação #

*2*


          O fato é que no inverno de 1980, mais precisamente as onze horas da noite de 23 de julho, os gritos da mulher que paria ressonavam pela enfermaria do hospital e, em dez minutos, tudo estaria terminado. Descansaria no leito, ao lado de outras seis mulheres que dividiam aquela sala com ela, até que sua filha chegasse para mamar aqueles seus dois peitos já caídos e fartos de leite. E no final do dia seguinte, já estaria em casa, faxinando e cozinhando para o seu homem, frentista de posto de gasolina, que sempre chegava depois que ela já tinha ido se deitar.
          Não tinha um pingo de paciência com crianças e não se conformava de já ter parido quatro vezes. Achava que Deus não estava sendo justo com ela.
          A bebezinha era bem rechonchuda, olhos grandes e negros como o asfalto, cabelo espesso e liso. Tinha muita fome mas não chorava; não reclamava de quase nada. Vestia sempre o que a mãe trazia da casa da patroa, que se desfazia das roupinhas do seu filho quase que semanalmente - a dondoca gostava de fazer compras - e por isso não era comum vê-la usando rosa ou lilás.
          Quando o leite secou, a mãe dava-lhe água no meio da noite se a menina chorava, já que o dinheiro era contado e escasso e, aos poucos, ela foi ficando magricela. Antes mesmo de completar um ano de vida, aquela menina já estaria aos cuidados da velha madrinha, bem distante da maior metrópole do Brasil onde nascera.

- Dinha, me conta de novo do dia que eu nasci?
- Mas minina, já contei isso um monte de vez. Cê não qué sabê de outras coisa não?
- Não, quero de novo. Vai... conta vai...
- Tá bão. Pega a iscova prá eu arrumá esse teu cabelo e daí eu conto.

          Dinha dizia as coisas de um jeito tão bonito que a menina ficava com um sorriso largo, imaginando cada cena e dormia tranquila após a história.

- Sua mãe era boa, viu fia? Era forte, guentou sozinha os tranco. Quando ela sentiu as dor, foi andano até o hospital, bem degavarinho, porque já era sabida nesses assunto de criança e ela sentiu que dava tempo, né?! A noite tava bunita, toda estrelada, mas tava frio e ela levou uma mantinha rosinha, bem quentinha, prá te cobri quando ocê nascesse. E ocê, desde neném já era isperta, nasceu rapidinho, nem deu trabaio. Saiu facinho, chorando feito um bezerrinho e mamou um montão porque cê sempre foi isfomiada! Ô minina! No dia seguinte cês duas já tava em casa. Ela tava muito disposta e logo foi arrumando tudo, dexô tudo limpinho prá ocê não pegar nenhuma doença ruim, sabe? Cuidô direitinho docê, lavava aquele monte de pano de fralda, um atrais do outro; ela gostava docê dimais de muito. Ocê era bem gordinha minina, cheia de drobinha, com essa cabelera bonita e lisinha que ocê tem inté hoje. E ela ía na feira e comprava umas ropinha bem bunitinha, de frorzinha, rosa, azul... Pena que num tem foto. Ocê ía gostá de vê como ocê era quanu era bebê. Mais daí ela fico bem doente né, num dava mais prá ela cuidá direito docê porque tava fraquinha. Eu inté fazia umas sopa prá ela cumê mas num dava jeito, num passava na garganta dela. Intão ela veio pidi prá mim cuidá docê, tava cos óio cheio dágua e eu cuidei, né?!

          Olhou prá garota e esta já tinha adormecido, em seu colo. Deitou a menina com cuidado na cama, cobriu e foi se deitar também.

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