Dinha já estava com seus cinquanta anos quando começou a cuidar dela.
Era forte e morena, com os cabelos fartos branquejando nas têmporas. Usava uma colônia de leite de rosas após o banho, o que a deixava cheirosa. Morava sozinha desde os trinta, quando ficou viúva, dois anos depois de seu casamento com Sebastião Desidério.
Tião, como o chamavam todos dali, era um homem muito bom, generoso e engraçado. Tinha sempre bons causos para contar e ajudava a todos com favores que estavam ao seu alcance. Mas fôra toda essa bondade que tinha lhe causado perder a vida.
- Dinha, você sente falta do Tião?
- Craro minina, ele era bão dimais prá mim.
Todas as vezes que a garota perguntava dele, Dinha desconversava porque logo subia um nó em sua garganta, que não conseguia desatar. E a conversa terminava.
A menina era curiosa e já tinha insistido noutras vezes nesse assunto mas percebeu, conforme ficou mais velha, que papear sobre isso deixava Dinha muito triste e deixou de fazer essas perguntas inoportunas.
Aos poucos, reparando nas escassas fotografias, nos poucos comentários dos vizinhos e em alguns objetos que foram do casal, entendeu que não era para Tião ter morrido, muito menos daquela maneira que os boatos contavam.
Ouviu que ele tinha morrido de morte matada.
A moça da banca de revistas conversava com sua mãe velhinha sobre esse assunto quando ela escutou, enquanto estava a escolher as palavras cruzadas que levaria para casa. Não entendeu muita coisa, apenas que um homem que não tinha sido favorecido num tal negócio, ficou muito furioso com Tião e cortou a garganta dele com arame de cerca.
Voltou para casa, naquele ônibus rural, com essa imagem pregada na sua cabeça.
De noite, teve pesadelos com Tião, mesmo conhecendo seu rosto apenas pelas fotos. Acordou chorando e toda molhada de xixi, de tanto medo que passou.
- Minina, quê se fez nas calça? Xixi?
- Desculpa, Dinha. Estava com medo.
- Mas di quê? Oh pobrizinha, ocê tá preocupada com essa prova da iscola, num é? Fica anssim não, ocê é bem inteligenti, cheia de idéia boa...
Ajudou a menina a tirar a roupa e enquanto ela tomava banho, Dinha passou outra camisola para ela dormir. Já era quase uma hora da manhã quando as duas voltaram a pegar no sono, dessa vez sem nenhuma história.
Na manhã seguinte, ela não conseguia tomar café e nem comer porque aquele boato estava tomando conta de todos os seus pensamentos. Ela não se conteve e enquanto Dinha preparava seu lanche, perguntou:
- Ele morreu de morte matada, né?
Dinha parou o que estava fazendo, sentou numa cadeira, olhou bem fundo nos olhos da menina e em tom brando, respondeu:
- Lara, Lara... Ocê ouviu as história, né?
A menina atestou que sim apenas com um maneio de cabeça.
- Si eu num tinha ti contado inté agora é purque achava que ocê inda num tinha qui sabê di nada disso, ouviu? Quanu eu achar qui ocê pricisa sabê dessas tristeza, eu mesminha ti conto. Mais num é agora. Ocê é minina, tem qui proveitá as beleza da vida.
A menina era esperta. Sabia que jamais Dinha lhe contaria nada disso porque não a queria triste, horrorizada ou, ainda, desacreditada da humanidade. E nunca soube mesmo da história completa de Sebastião, não pela boca desta mulher que tanto lhe amava.
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