quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Sobre a Solidão

Eu era criança ainda quando descobri esse buraco sem fundo chamado solidão, que me acompanha diariamente no meu para sempre. Tinha medo de sua feiúra e escuridão, das coisas estranhas que me dizia antes de dormir... Mas minha inquietação durou pouco: peguei na mão de minha mãe e segui com ele, o vazio de todos, me acostumando à sua constante presença.
Devagar, percebi que a solidão podia ser uma boa companhia, já que me proporcionava momentos de profunda inspiração, além de me confessar verdades que ninguém jamais teria coragem de me contar. E quanto mais gente eu conhecia e amava, mais esse buraco aumentava, crescia para os lados e para cima, tomando conta de tudo.
Já na juventude, eu quis amar mais e conhecer tantas outras pessoas, na intenção vã de preenchê-lo.
Ah, então veio aquele mar de dor: vi com olhos esbugalhados como eu era só e que não havia remédio para curar o que é sina de toda a gente. Chorei pelos cantos, incompreendida, sem compreender nada.
E de aguar-me sem nenhuma compostura, aprendi que a solidão poderia ser minha salvação, buraco guardador de segredos e apanhador de sonhos.
Agora, já mais velha mas nem tanto assim, percebo minha solidão (que em verdade, é nossa) com olhos mais serenos. Encanta-me saber que esse buraco é só meu, um fundo particular, com quem compartilho ideias luminosas, pequenos prazeres e incontáveis lágrimas; meu fiel amigo a quem revelei meu melhor e meu pior.
Peguei na mão da solidão e sigo com ela.

Sobre o Crescer

Eu e minha filha conversando no carro ontem, na volta para casa:

- Mãe, o maternal está cheio de bebezucos! Hoje uma bebezuca foi lá fora com a gente! Sabe aquela bicicletinha bobinha, de madeira, então, eu gostava dela.

- Nossa Isadora, você lembra do maternal? Que legal! Que brinquedo mais gostava?

- Primeiro do cavalinho e segundo da bicicletinha.

- E agora no Jardim, o que mais gosta filha?

(pensativa) - Hummm, nenhum brinquedo.

- Como assim, nenhum brinquedo? Não tem nada de que você goste?

(pensativa) - Ah, já sei mãe, o brinquedo que mais gosto sou eu mesma, porque eu que fico inventando as brincadeiras...

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Sobre a Alma

Estão lá, gravadas na alma, todas as experiências, sensações, imagens abstratas de cada contato travado com o outro. Fico pensando que mar sem fim é esse de mim e que cabe nesse meu corpo de cinquenta e cinco quilos.
Ela pulsa e vibra e rodopia quando durmo, viajando entre os astros, ansiosa para desprender-se de mim mais uma vez na próxima noite. Percebo que é por isso que, vez ou outra, acordo cansada, como se tivesse passado a noite numa festa. Ou então, abro os olhos e ainda vejo estrelas...
Ela carrega meus hábitos, vícios, mazelas e maldades. Eu devo consertá-la, com frequência, para que não fique inutilizável. É preciso curativos, bandagens... As crianças costumam ter os mais eficazes unguentos para a alma: trazem carinho nas mãos, verdades na boca e anjos no olhar. Como num passe de mágica, são capazes de revitalizar nosso dentro sem deixar rastros.
Mas é também ela que sustenta minha moral, minha ética, minha espiritualidade e todas as outras virtudes que venho cultivando, cautelosamente, há milênios.
Ainda bem que eu não a vejo. Acredito que se ela tivesse uma forma, seria disforme, uma coisa assim torta e estranha, meio feia e meio bonita, uma mistura de azedo e doce.
Acho que a alma deve ser um algo confuso. Com tanta coisa ali, boa e ruim, velha e nova, quase nem acho palavras para descrevê-la.
Umas palavras que me lembram alma e que fazem sentido, para mim, na comparação do que eu imagino que ela seja, com o que conheço de concreto são "samba", "babel", "Lua" ou expressões inexistentes como "coisa coisada".
Eu queria mesmo poder escrever sobre a alma porque é um jeito de entender melhor o que a gente não compreende. A palavra ajuda a pensar e o pensamento ajuda a construir palavras... Na verdade, era essa a intenção do texto. Mas já vi que não vai dar. A alma vai ficar para depois.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Sobre o Tempo

Sempre fui esperta. Esperta para fazer as coisas com agilidade. Mas não esperta de esperteza mesmo, dessa que a gente antecede o que se pode acontecer se...
Uma esperteza de fazer o que tem que ser feito, com eficiência e rapidez.
E de alguma maneira, essa minha qualidade, nos tempos contemporâneos da falta de tempo para tudo, tornou-se um fardo, um algo do qual virei refém.
Pode o dia ter 24, 32 ou 100 mil horas, eu ainda não darei conta de tudo o que está por fazer. E então eu aprendi a viver correndo, na tentativa de fazer tudo, porque é preciso.
Não sei bem quem me ensinou que é preciso ou se acredito nisso sem nem saber porque. A questão é que simplesmente corro demais.
A rotina começa duramente cedo, bem cedo e acaba muito tarde, bem tarde, quando já é dia seguinte. O sono é regalia, umas cinco horas devem bastar e se não bastam, eu me contento.
E foi assim nessa frenética rotina que eu me encontrei com minha filha e venho esbarrando nela, diariamente. Digo assim porque ela tem outro tempo, um tempo saudável e feliz, típico de uma criança de quatro anos.
Vamos, estamos atrasadas! E, pacientemente, ela coloca as presilhas no cabelo e escolhe a boneca que vai acompanhá-la até a escola. Anda logo filha! Mas ela ainda está vendo as figuras de um livro ou guardando, uma a uma, as pecinhas de um jogo. Depressa, não vai dar tempo! Ela beijando sua ovelhinha de pelúcia e colocando o cinto do carro na bichinha. Mas que demora! Mas ela ainda acarinha os cachorros que tanto ama e resolve dar uns biscoitos. Come logo essa comida! E a comida, está na boca, virando purê, enquanto ela ouve uma história do vovô.
Na vida da minha filha o tempo é largo, barrigudo, sobra espaço para tudo o que for bom, feliz, sensível e curioso. Ela aproveita a água do banho, o abraço do pai, a lambança das tintas no papel, o sabor de um almoço, o frescor de um suco... Há tempo para cada coisa. E dorme cedo e dorme bem e dorme muito.
Então desde que ela chegou, atravessando a minha vida devagar, eu venho me perguntando sobre essa insanidade de viver às pressas. Eu tão esperta por ser ágil, ganhei uma filha esperta por viver com prazer e verdade, no tempo que lhe convém.
Acho mesmo que ela está certa, além de esperta, é mais inteligente que eu. Porque vivendo bem, no próprio ritmo, economiza energias e poupa o corpo de estresses desnecessários. Está sempre sorrindo, com o espírito de prontidão.
Eu é que preciso me corrigir.
Tarefa difícil para quem sempre usou agenda ou marcou quinhentos compromissos num único dia. Parece impossível desacelerar.
Mas não é.
Exercitar a paciência e o controle da ansiedade com certeza me fará uma mãe melhor

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sobre a Morte

Quando exercitamos a auto-consciência, depois de sentirmos na pele que nada é absolutamente definitivo, nem a própria vida ou a de quem amamos demais, compreendemos a inutilidade do orgulho e de disputas, a estupidez da ganância ou da arrogância... e passamos a valorizar a beleza da sensibilidade, o prazer que nos lava a alma quando perdoamos o outro e nos perdoamos, a bênção que pode ser um abraço, um beijo, um sorriso ou uma palavra doce, a alegria de acordar e ter mais uma chance de amar e ser amado, de tentar tudo de novo... A realidade da morte bate à nossa porta para nos dizer da vida.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Sobre a Caridade

Quando uma mãe perde seu filho, ela ganha o maior presente que Deus poderia dar à ela, mas que nunca teria coragem de pedir: o dom da caridade.
Servir de abrigo para uma criança, amando-a sem limites e aceitando a efemeridade de seu tempo no corpo físico, mas de ligação espiritual eterna, é praticar a mais pura caridade.E ao ser arrebatada por tal caridade, a mãe eleva-se temporariamente à condição de anjo, capaz de perceber o divino presente em tudo, em todos e nela própria.Depois disso, nunca mais será a mesma.Sua experiência de amor será tão profunda que jamais olhará as pessoas do mesmo jeito. Seus olhos estarão sempre embotados de tamanha caridade... e assim compreenderá o sentido de sua existência.

Pensamento Bom

Pensamento bom
É como luz no mundo:
Cria tudo que habita
- o céu, a terra e o entre,
anjos, homens, bichos e reinos.
Irradiação de vontade e calor,
Que emana do corpo
Pelo fio que nos liga ao divino,
Da cabeça aos mistérios.
Quando compartilhado,
Aquece outras almas
E vai se multiplicando, sem fim,
Feito chama de vela.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O Fundo

Perplexa,
Percebia afogar-se
Na areia movediça
Da eterna perguntação.
Por que não experimentava
A leveza e plenitude
Da santa ignorância?
A toda hora e a todo custo
Vivia por respostas.
Então quase submersa,
Com a natureza em fúria
A devorar-lhe a carne crua,
Compreendeu um algo,
Que de tão grande,
Quase tirou-lhe o ar.
Era nas tripas
Que morava a vontade.
E por então isso bastava.
Tocou com a ponta dos dedos
O fundo, bem fundo...
Então o impulso
- de quem não quer morrer só -
Tomou conta de seu corpo e,
Devagar, começou a subir.
Não era preciso saber mais nada.


Princesa

Feito cachorro sem dono,
Esperava as migalhas debaixo da mesa.
Saciava o tanto de que precisava,
O pouco para que abrisse os olhos no dia seguinte.
Teimava em acreditar que era princesa,
Rainha de um banquete de gostosuras sem igual.
Carregava a vergonha amarga
De gostar menos de si do que de todo o resto.
Do que de todo mundo.

Cálculo

"Água mole em pedra dura tanto bate até que fura"
Sabedoria popular

Meu monolito particular. 
Dor condensada e só
Lateja na forma
Embrionária do rim.
Aciono o botão
"Desentupir Filtros"
Mas está quebrado
Desde a última década.
Os minerais sempre mortos
Ajuntaram-se todos
Para me assombrar
Com suas histórias
De corpos calcificados.
Um banho morno
- alívio imediato -
Bem poderia umedecer
Todo o meu dentro revirado.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Realinhamento

a Escrita
Mumifica
a Ideia
Efêmera

a Letra
Contém
um Caco
da Alma

a Palavra
Retém
o Impulso
da Vontade

o Poema
Traduz
a Arte
Anímica

a Poesia
Mantém
o Espírito
Vivo