Nos últimos dias, meu coração ficou apertado enquanto eu observava meus meninos e meninas - como carinhosamente chamo meus jovens alunos - participarem do campeonato interclasses da escola.
Senti-me um tanto deserta de vida, da vida latente que brilha nos olhos de cada um deles e que eu, ao longo dos anos da madureza, deixei ir embora.
Ah, como são bonitos!
Olho para eles com curiosidade até, porque mal lembro de mim em época parecida, e da beleza que eu carregava e nem sabia.
Isso porque na juventude costumamos achar nosso corpo feio e nossa cara esquisita! Que tolice! Talvez tenha sido o tempo em que o conjunto da minha obra esteve mais equilibrado. Tempo de cabelos vívidos, olhar profundo e curvas harmoniosamente pioneiras. Os músculos ainda tenazes e sem a flacidez de carregar filhos ou as indesejáveis inconveniências de fast food acumulado… Os desejos à flor da pele, como bolhas de sabão prestes a explodir… E uma alegria!
Aquela alegria de despertar para o mundo, de desafiá-lo sem pudor; alegria de amar demoradamente um amigo e rapidamente um fazer qualquer.
Senti-me assim, bem sozinha, ao vê-los ali, me rodeando dessa força alaranjada que eles têm. E depois... Depois eu fiquei com uma baita saudade.
Saudade deles, que vão caminhar sem minhas mãos, ainda que estejam perto - nas visitas regadas novidades a abraços apertados.
Saudade de mim, da parte que fui e que às vezes tento encontrar: aquela eu que aparece quando escorrego num toboágua, quando beijo meu amor ou quando brado e levanto minha bandeira na rua.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Verdade Inconveniente
Não, eu não mudei.
Passou um tempo,
Eu sei,
Mas sou a mesma.
O mesmo andar,
Os velhos toques.
Eu não mudei.
Foram teus olhos,
Teus olhos cansados
Que me viram,
Viram melhor.
Mas não,
Não querido:
O que eu guardo,
O que eu digo,
Está tudo igual
Como era antes
Porque eu não mudei.
E nem queria.
Nem queria mesmo.
Eu gosto assim,
Assim como sempre.
Não,
Não diga isso,
Não fale mais
Que eu mudei.
Eu não mudei.
A mesma dor,
Os velhos risos,
Sou eu aqui de novo.
Olha de novo,
De olhos abertos,
Eu não mudei.
A mesma, igual.
Não, não fale mais.
E nem de novo.
Não estou morta.
.
.
.
.
Eu estou morta?
Morta?
Porque não mudei?
Não diga isso.
Não fale mais.
Passou um tempo,
Eu sei,
Mas sou a mesma.
O mesmo andar,
Os velhos toques.
Eu não mudei.
Foram teus olhos,
Teus olhos cansados
Que me viram,
Viram melhor.
Mas não,
Não querido:
O que eu guardo,
O que eu digo,
Está tudo igual
Como era antes
Porque eu não mudei.
E nem queria.
Nem queria mesmo.
Eu gosto assim,
Assim como sempre.
Não,
Não diga isso,
Não fale mais
Que eu mudei.
Eu não mudei.
A mesma dor,
Os velhos risos,
Sou eu aqui de novo.
Olha de novo,
De olhos abertos,
Eu não mudei.
A mesma, igual.
Não, não fale mais.
E nem de novo.
Não estou morta.
.
.
.
.
Eu estou morta?
Morta?
Porque não mudei?
Não diga isso.
Não fale mais.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
Solilóquios
I
Que falta me faz
- pedaço de mim.
Doído é assim
E aguado demais
Meu pranto sem fim.
Mãe de querubim
É anjo sem paz.
II
Carne da carne
Sonho do sonho
Sem você
Às vezes é cinza
E tudo dói
III
Respiro.
E mais uma vez.
Sinto o quente
Que escorre
Do canto do olho:
Salgado,
Toca meu lábio.
É para lembrar-me
Que estou viva,
Ainda que não.
E eu não sei mais
Dizer o teu nome
Sem morrer um pouco,
Sem rezar um tanto,
Sem sorrir durante
E sem chorar depois.
IV
Lua.
Sol.
Lua.
Sol.
A saudade só aumenta.
É um não sei o quê
Que me leva e me puxa
E me abre os olhos
E sopra em meus ouvidos:
- Segue!
Que falta me faz
- pedaço de mim.
Doído é assim
E aguado demais
Meu pranto sem fim.
Mãe de querubim
É anjo sem paz.
II
Carne da carne
Sonho do sonho
Sem você
Às vezes é cinza
E tudo dói
III
Respiro.
E mais uma vez.
Sinto o quente
Que escorre
Do canto do olho:
Salgado,
Toca meu lábio.
É para lembrar-me
Que estou viva,
Ainda que não.
E eu não sei mais
Dizer o teu nome
Sem morrer um pouco,
Sem rezar um tanto,
Sem sorrir durante
E sem chorar depois.
IV
Lua.
Sol.
Lua.
Sol.
A saudade só aumenta.
É um não sei o quê
Que me leva e me puxa
E me abre os olhos
E sopra em meus ouvidos:
- Segue!
sábado, 26 de outubro de 2013
Sobre a Sabedoria
Isadora, minha filha de 4 anos, segura sua boneca Laís no colo, a quem chama de filha nessa última semana. E assim começa:
- Filha, você sabe sobre as vidas? Não? Eu vou te explicar sobre isso. Primeiro a gente é bebê, depois criança, depois adolescente, daí é jovem, depois é adulto e depois velhinho. Daí depois a gente morre e vai pro céu. Daí lá a gente tem outra mãe e fica um pouco e depois a gente volta e começa tudo de novo, primeiro bebê, depois criança, depois adolescente, tudo de novo, entendeu? Mas você é boneca e então não é assim. A boneca tem vidas, porque agora eu sou sua mãe, mas quando eu crescer e for adulta, daí você vai ter outra mãe porque uma criancinha que não vai ter brinquedo vai ter você porque eu vou fazer doação de você. Então você também vai ter vidas, entendeu?
- Filha, você sabe sobre as vidas? Não? Eu vou te explicar sobre isso. Primeiro a gente é bebê, depois criança, depois adolescente, daí é jovem, depois é adulto e depois velhinho. Daí depois a gente morre e vai pro céu. Daí lá a gente tem outra mãe e fica um pouco e depois a gente volta e começa tudo de novo, primeiro bebê, depois criança, depois adolescente, tudo de novo, entendeu? Mas você é boneca e então não é assim. A boneca tem vidas, porque agora eu sou sua mãe, mas quando eu crescer e for adulta, daí você vai ter outra mãe porque uma criancinha que não vai ter brinquedo vai ter você porque eu vou fazer doação de você. Então você também vai ter vidas, entendeu?
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Mistério do Trono de Oxum
Amar sem reservas e condições, com toda a verdade e pureza, com a alma e a grandeza que o outro merece apenas por ser.
Tudo o que é, precisa ser amado, na totalidade de seu bem e adversidades.
Porque só o amor gera, cria, alimenta, cuida, ensina, reina e leva.
Tudo o que é, precisa ser amado, na totalidade de seu bem e adversidades.
Porque só o amor gera, cria, alimenta, cuida, ensina, reina e leva.
Menina Oxum
Preta d'água de cachoeira
Menina travessa e faceira
Adornada de contas azuis
Vestida de ouro do firmamento
No colo embala um rebento
Do teu amor feito de luz
Alimenta de leite e mel
- delícias que vêm do céu -
Seus filhos de coração
E apresenta-lhes toda a beleza
Do poder de tua natureza
Que gera vida como uma oração
Menina travessa e faceira
Adornada de contas azuis
Vestida de ouro do firmamento
No colo embala um rebento
Do teu amor feito de luz
Alimenta de leite e mel
- delícias que vêm do céu -
Seus filhos de coração
E apresenta-lhes toda a beleza
Do poder de tua natureza
Que gera vida como uma oração
Desespero
Sozinha, num banheiro trancado, sentada na louça sanitária, as pernas encolhidas e o rosto afundado entre as mãos. Chorava querendo colo, um carinho que não vinha, pedia socorro sem que ninguém soubesse. E murmurava orações enquanto pressionava as mãos contra o peito, súplicas de compaixão porque sabia que se o céu desabasse seria melhor. Toda aquela aguaceira da lágrimas ajuntadas se rebelaram num de repente e o dilúvio tomou conta dos cabelos, das horas e os gritos sufocados viraram um nó que não desatava. O seu mundo tremia e o tempo parou.
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Sobre a Cumplicidade
- Mamãe, você é a melhor mãe que eu tenho!
- Que bom filha! E você é a melhor filha que eu tenho nesse mundo!
- E a Heloísa?
- É a minha melhor filha do mundo de lá.
- Por que ela morreu mãe?
- Por que ela não conseguiu respirar bem filha… e Deus precisou dela.
- Para que?
- Para ajudar ele nas tarefas do céu, ora!
- Mas daí você ficou sem filha e ficou triste.
- É, a mamãe ficou bem triste mas está tudo bem.
- E eu fiquei sem irmã e fiquei triste.
- Eu sei, mas ela está no nosso coração.
- Sabia que ela está ouvindo tudo isso mãe?
- Sabia.
- Mãe, e você já está pronta para outra?
- Acho que sim e você?
- Eu também estou!
- Que bom filha! E você é a melhor filha que eu tenho nesse mundo!
- E a Heloísa?
- É a minha melhor filha do mundo de lá.
- Por que ela morreu mãe?
- Por que ela não conseguiu respirar bem filha… e Deus precisou dela.
- Para que?
- Para ajudar ele nas tarefas do céu, ora!
- Mas daí você ficou sem filha e ficou triste.
- É, a mamãe ficou bem triste mas está tudo bem.
- E eu fiquei sem irmã e fiquei triste.
- Eu sei, mas ela está no nosso coração.
- Sabia que ela está ouvindo tudo isso mãe?
- Sabia.
- Mãe, e você já está pronta para outra?
- Acho que sim e você?
- Eu também estou!
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Vaidade
O dia nublado não era indício de coisas grandiosas na sua rotina.
Caminhava demoradamente na larga passarela ladrilhada que atravessava a avenida.
A moça, bem comportada em seu conjunto marinho e saltos agulha, braços estendidos ao longo do corpo, levava na mão direita, guardada na palma fechada, uma moeda brilhante.
Ao primeiro pedinte, sentado junto à sarjeta, por qual passou sem nem baixar os olhos, doou a moeda jogando-a no colo encardido dele.
E numa fração de segundo ela olhou para trás, procurando a cumplicidade de um estranho que tivesse acompanhado a cena e que pudesse julgá-la, como tanto desejava no fundo da alma.
Sim, que esse desconhecido a tomasse por uma boa mulher, dotada de compaixão ímpar e que a invejasse em sua bondade e carisma.
O cinza do céu tinha-lhe enganado: pois encontrou um rosto que a mirava e que seguia seu andar com os olhos. Um alguém a quem podia mostrar-se, ainda que mentirosa.
E então ela sentiu correr por todas as suas veias um calor. O único calor que a aquecia.
A moça enrubesceu e sorriu porque sua velha companheira vaidade, a quem amava como uma cadela, estava ali de novo, para dar-lhe segurança.
Caminhava demoradamente na larga passarela ladrilhada que atravessava a avenida.
A moça, bem comportada em seu conjunto marinho e saltos agulha, braços estendidos ao longo do corpo, levava na mão direita, guardada na palma fechada, uma moeda brilhante.
Ao primeiro pedinte, sentado junto à sarjeta, por qual passou sem nem baixar os olhos, doou a moeda jogando-a no colo encardido dele.
E numa fração de segundo ela olhou para trás, procurando a cumplicidade de um estranho que tivesse acompanhado a cena e que pudesse julgá-la, como tanto desejava no fundo da alma.
Sim, que esse desconhecido a tomasse por uma boa mulher, dotada de compaixão ímpar e que a invejasse em sua bondade e carisma.
O cinza do céu tinha-lhe enganado: pois encontrou um rosto que a mirava e que seguia seu andar com os olhos. Um alguém a quem podia mostrar-se, ainda que mentirosa.
E então ela sentiu correr por todas as suas veias um calor. O único calor que a aquecia.
A moça enrubesceu e sorriu porque sua velha companheira vaidade, a quem amava como uma cadela, estava ali de novo, para dar-lhe segurança.
sábado, 12 de outubro de 2013
Inveja
As roupas.
Os truques.
As frases.
Os amigos.
As viagens.
Os sonhos.
As manias.
Os desejos.
E até os medos.
Tudo, tudo,
Tudinho dos outros:
Queria, queria,
Queria um tanto imenso.
Então imitava, imitava,
Seria igual?
Ah, era tão infeliz,
Consumida em seu mal!
Os truques.
As frases.
Os amigos.
As viagens.
Os sonhos.
As manias.
Os desejos.
E até os medos.
Tudo, tudo,
Tudinho dos outros:
Queria, queria,
Queria um tanto imenso.
Então imitava, imitava,
Seria igual?
Ah, era tão infeliz,
Consumida em seu mal!
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Cantiga para Mainha
Manha, manha
Mainha Oxum
Teu colo é doce
De alcaçuz
Guarda minh'alma
Ainda criança
Sob o amor
Da tua luz
Sol das nações
Brilho dos rios
Dourada feito
A cor do mel
Senhora nossa
E rainha
Mainha Oxum
Minha e do céu
Mainha Oxum
Teu colo é doce
De alcaçuz
Guarda minh'alma
Ainda criança
Sob o amor
Da tua luz
Sol das nações
Brilho dos rios
Dourada feito
A cor do mel
Senhora nossa
E rainha
Mainha Oxum
Minha e do céu
terça-feira, 8 de outubro de 2013
Sobre a Propaganda Enganosa
Mais uma pérola na volta de carro para casa:
No semáforo vermelho, minha filha Isadora conversa com sua boneca Beatriz, a quem considera filha e com quem dorme muitas noites. Isadora está sentada na cadeirinha do banco traseiro e, apontando para uma loja da rede Mc Donalds, dispara:
- Assim não é possível, filha! Todo mundo dessa cidade sabe que isso é um Mc Donalds, porque olha ali, eles usam essas redinhas no cabelo. Então para que essa foto grande do hamburguer ali? É só para a gente olhar e ficar com vontade de comer e daí a mãe da gente compra e adivinha? Ele é muito salgado! E daí o filho pede (fazendo vozinha de bebê): mamãe eu quero um hamburguer com brinquedinho! (voltando a fazer a própria voz) E daí vem um brinquedinho que não é caro, é um desses que custa zero reais!
No semáforo vermelho, minha filha Isadora conversa com sua boneca Beatriz, a quem considera filha e com quem dorme muitas noites. Isadora está sentada na cadeirinha do banco traseiro e, apontando para uma loja da rede Mc Donalds, dispara:
- Assim não é possível, filha! Todo mundo dessa cidade sabe que isso é um Mc Donalds, porque olha ali, eles usam essas redinhas no cabelo. Então para que essa foto grande do hamburguer ali? É só para a gente olhar e ficar com vontade de comer e daí a mãe da gente compra e adivinha? Ele é muito salgado! E daí o filho pede (fazendo vozinha de bebê): mamãe eu quero um hamburguer com brinquedinho! (voltando a fazer a própria voz) E daí vem um brinquedinho que não é caro, é um desses que custa zero reais!
quarta-feira, 2 de outubro de 2013
Sobre a Despedida
Era uma vez uma florzinha, cheia de vida, guardada dentro de uma semente.
Estava acolhida, recebendo nutrientes e cuidados mas ela sabia que logo ia nascer.
Então se preparou bem.
Aproveitou tudo o que pode da terra porque sabia que nascer era coisa difícil.
Já tinham lhe contado dos ventos, intempéries e homens maus.
Chegada a hora tão esperada, brotou para fora do solo e percebeu o ar gelado que tocava suas pétalas, os sons e luzes ao redor.
Assustada, ficou quietinha e olhou em volta.
Foi quando se deu conta de que ser flor era pouco para toda a sua graça.
Era manhã.
Despetalou-se toda a frente de olhares tão tristonhos e foi murchando, até voltar para a terra, ao fim do dia.
O jardineiro aguardava ansioso por aquele dia afinal, tinha cuidado da florzinha com todo o seu coração.
Quando viu a pequena morrendo, correu para dar-lhe água mas de nada adiantou.
Ainda tentou tocá-la, mas era tarde.
Apenas acompanhou, solitário, aquela beleza efêmera e depois, teve que partir para cuidar das outras importantes plantas do seu jardim.
Mesmo triste, sabia que outras flores dependiam de suas habilidades.
A florzinha, em pedacinhos dispersos na terra, demorou uns dias para se recompor; pensou bastante e decidiu onde queria morar.
Mas antes de embarcar nessa nova aventura, a bondosa flor decidiu despedir-se de seu amável cuidador.
No instante que uma brisa delicada passava por ali, deixou que algumas de suas pétalas tomassem carona e voassem até a janela do quarto de dormir daquele bom moço.
Ele estava acordando de um sonho gostoso, em que trabalhava bastante aguando seu jardim…
Ainda com sono, pode reencontrar as pétalas da florzinha, apoiadas no parapeito.
Então ele soube que sua pequena estava bem e muito feliz com os planos da nova viagem que iria fazer e onde queria morar.
Nesse dia, o jardineiro teve certeza que queria ser jardineiro para sempre.
Estava acolhida, recebendo nutrientes e cuidados mas ela sabia que logo ia nascer.
Então se preparou bem.
Aproveitou tudo o que pode da terra porque sabia que nascer era coisa difícil.
Já tinham lhe contado dos ventos, intempéries e homens maus.
Chegada a hora tão esperada, brotou para fora do solo e percebeu o ar gelado que tocava suas pétalas, os sons e luzes ao redor.
Assustada, ficou quietinha e olhou em volta.
Foi quando se deu conta de que ser flor era pouco para toda a sua graça.
Era manhã.
Despetalou-se toda a frente de olhares tão tristonhos e foi murchando, até voltar para a terra, ao fim do dia.
O jardineiro aguardava ansioso por aquele dia afinal, tinha cuidado da florzinha com todo o seu coração.
Quando viu a pequena morrendo, correu para dar-lhe água mas de nada adiantou.
Ainda tentou tocá-la, mas era tarde.
Apenas acompanhou, solitário, aquela beleza efêmera e depois, teve que partir para cuidar das outras importantes plantas do seu jardim.
Mesmo triste, sabia que outras flores dependiam de suas habilidades.
A florzinha, em pedacinhos dispersos na terra, demorou uns dias para se recompor; pensou bastante e decidiu onde queria morar.
Mas antes de embarcar nessa nova aventura, a bondosa flor decidiu despedir-se de seu amável cuidador.
No instante que uma brisa delicada passava por ali, deixou que algumas de suas pétalas tomassem carona e voassem até a janela do quarto de dormir daquele bom moço.
Ele estava acordando de um sonho gostoso, em que trabalhava bastante aguando seu jardim…
Ainda com sono, pode reencontrar as pétalas da florzinha, apoiadas no parapeito.
Então ele soube que sua pequena estava bem e muito feliz com os planos da nova viagem que iria fazer e onde queria morar.
Nesse dia, o jardineiro teve certeza que queria ser jardineiro para sempre.
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Sobre a Solidão
Eu era criança ainda quando descobri esse buraco sem fundo chamado solidão, que me acompanha diariamente no meu para sempre. Tinha medo de sua feiúra e escuridão, das coisas estranhas que me dizia antes de dormir... Mas minha inquietação durou pouco: peguei na mão de minha mãe e segui com ele, o vazio de todos, me acostumando à sua constante presença.
Devagar, percebi que a solidão podia ser uma boa companhia, já que me proporcionava momentos de profunda inspiração, além de me confessar verdades que ninguém jamais teria coragem de me contar. E quanto mais gente eu conhecia e amava, mais esse buraco aumentava, crescia para os lados e para cima, tomando conta de tudo.
Já na juventude, eu quis amar mais e conhecer tantas outras pessoas, na intenção vã de preenchê-lo.
Ah, então veio aquele mar de dor: vi com olhos esbugalhados como eu era só e que não havia remédio para curar o que é sina de toda a gente. Chorei pelos cantos, incompreendida, sem compreender nada.
E de aguar-me sem nenhuma compostura, aprendi que a solidão poderia ser minha salvação, buraco guardador de segredos e apanhador de sonhos.
Agora, já mais velha mas nem tanto assim, percebo minha solidão (que em verdade, é nossa) com olhos mais serenos. Encanta-me saber que esse buraco é só meu, um fundo particular, com quem compartilho ideias luminosas, pequenos prazeres e incontáveis lágrimas; meu fiel amigo a quem revelei meu melhor e meu pior.
Peguei na mão da solidão e sigo com ela.
Devagar, percebi que a solidão podia ser uma boa companhia, já que me proporcionava momentos de profunda inspiração, além de me confessar verdades que ninguém jamais teria coragem de me contar. E quanto mais gente eu conhecia e amava, mais esse buraco aumentava, crescia para os lados e para cima, tomando conta de tudo.
Já na juventude, eu quis amar mais e conhecer tantas outras pessoas, na intenção vã de preenchê-lo.
Ah, então veio aquele mar de dor: vi com olhos esbugalhados como eu era só e que não havia remédio para curar o que é sina de toda a gente. Chorei pelos cantos, incompreendida, sem compreender nada.
E de aguar-me sem nenhuma compostura, aprendi que a solidão poderia ser minha salvação, buraco guardador de segredos e apanhador de sonhos.
Agora, já mais velha mas nem tanto assim, percebo minha solidão (que em verdade, é nossa) com olhos mais serenos. Encanta-me saber que esse buraco é só meu, um fundo particular, com quem compartilho ideias luminosas, pequenos prazeres e incontáveis lágrimas; meu fiel amigo a quem revelei meu melhor e meu pior.
Peguei na mão da solidão e sigo com ela.
Sobre o Crescer
Eu e minha filha conversando no carro ontem, na volta para casa:
- Mãe, o maternal está cheio de bebezucos! Hoje uma bebezuca foi lá fora com a gente! Sabe aquela bicicletinha bobinha, de madeira, então, eu gostava dela.
- Nossa Isadora, você lembra do maternal? Que legal! Que brinquedo mais gostava?
- Primeiro do cavalinho e segundo da bicicletinha.
- E agora no Jardim, o que mais gosta filha?
(pensativa) - Hummm, nenhum brinquedo.
- Como assim, nenhum brinquedo? Não tem nada de que você goste?
(pensativa) - Ah, já sei mãe, o brinquedo que mais gosto sou eu mesma, porque eu que fico inventando as brincadeiras...
- Mãe, o maternal está cheio de bebezucos! Hoje uma bebezuca foi lá fora com a gente! Sabe aquela bicicletinha bobinha, de madeira, então, eu gostava dela.
- Nossa Isadora, você lembra do maternal? Que legal! Que brinquedo mais gostava?
- Primeiro do cavalinho e segundo da bicicletinha.
- E agora no Jardim, o que mais gosta filha?
(pensativa) - Hummm, nenhum brinquedo.
- Como assim, nenhum brinquedo? Não tem nada de que você goste?
(pensativa) - Ah, já sei mãe, o brinquedo que mais gosto sou eu mesma, porque eu que fico inventando as brincadeiras...
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
Sobre a Alma
Estão lá, gravadas na alma, todas as experiências, sensações, imagens abstratas de cada contato travado com o outro. Fico pensando que mar sem fim é esse de mim e que cabe nesse meu corpo de cinquenta e cinco quilos.
Ela pulsa e vibra e rodopia quando durmo, viajando entre os astros, ansiosa para desprender-se de mim mais uma vez na próxima noite. Percebo que é por isso que, vez ou outra, acordo cansada, como se tivesse passado a noite numa festa. Ou então, abro os olhos e ainda vejo estrelas...
Ela carrega meus hábitos, vícios, mazelas e maldades. Eu devo consertá-la, com frequência, para que não fique inutilizável. É preciso curativos, bandagens... As crianças costumam ter os mais eficazes unguentos para a alma: trazem carinho nas mãos, verdades na boca e anjos no olhar. Como num passe de mágica, são capazes de revitalizar nosso dentro sem deixar rastros.
Mas é também ela que sustenta minha moral, minha ética, minha espiritualidade e todas as outras virtudes que venho cultivando, cautelosamente, há milênios.
Ainda bem que eu não a vejo. Acredito que se ela tivesse uma forma, seria disforme, uma coisa assim torta e estranha, meio feia e meio bonita, uma mistura de azedo e doce.
Acho que a alma deve ser um algo confuso. Com tanta coisa ali, boa e ruim, velha e nova, quase nem acho palavras para descrevê-la.
Umas palavras que me lembram alma e que fazem sentido, para mim, na comparação do que eu imagino que ela seja, com o que conheço de concreto são "samba", "babel", "Lua" ou expressões inexistentes como "coisa coisada".
Eu queria mesmo poder escrever sobre a alma porque é um jeito de entender melhor o que a gente não compreende. A palavra ajuda a pensar e o pensamento ajuda a construir palavras... Na verdade, era essa a intenção do texto. Mas já vi que não vai dar. A alma vai ficar para depois.
Ela pulsa e vibra e rodopia quando durmo, viajando entre os astros, ansiosa para desprender-se de mim mais uma vez na próxima noite. Percebo que é por isso que, vez ou outra, acordo cansada, como se tivesse passado a noite numa festa. Ou então, abro os olhos e ainda vejo estrelas...
Ela carrega meus hábitos, vícios, mazelas e maldades. Eu devo consertá-la, com frequência, para que não fique inutilizável. É preciso curativos, bandagens... As crianças costumam ter os mais eficazes unguentos para a alma: trazem carinho nas mãos, verdades na boca e anjos no olhar. Como num passe de mágica, são capazes de revitalizar nosso dentro sem deixar rastros.
Mas é também ela que sustenta minha moral, minha ética, minha espiritualidade e todas as outras virtudes que venho cultivando, cautelosamente, há milênios.
Ainda bem que eu não a vejo. Acredito que se ela tivesse uma forma, seria disforme, uma coisa assim torta e estranha, meio feia e meio bonita, uma mistura de azedo e doce.
Acho que a alma deve ser um algo confuso. Com tanta coisa ali, boa e ruim, velha e nova, quase nem acho palavras para descrevê-la.
Umas palavras que me lembram alma e que fazem sentido, para mim, na comparação do que eu imagino que ela seja, com o que conheço de concreto são "samba", "babel", "Lua" ou expressões inexistentes como "coisa coisada".
Eu queria mesmo poder escrever sobre a alma porque é um jeito de entender melhor o que a gente não compreende. A palavra ajuda a pensar e o pensamento ajuda a construir palavras... Na verdade, era essa a intenção do texto. Mas já vi que não vai dar. A alma vai ficar para depois.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Sobre o Tempo
Sempre fui esperta. Esperta para fazer as coisas com agilidade. Mas não esperta de esperteza mesmo, dessa que a gente antecede o que se pode acontecer se...
Uma esperteza de fazer o que tem que ser feito, com eficiência e rapidez.
E de alguma maneira, essa minha qualidade, nos tempos contemporâneos da falta de tempo para tudo, tornou-se um fardo, um algo do qual virei refém.
Pode o dia ter 24, 32 ou 100 mil horas, eu ainda não darei conta de tudo o que está por fazer. E então eu aprendi a viver correndo, na tentativa de fazer tudo, porque é preciso.
Não sei bem quem me ensinou que é preciso ou se acredito nisso sem nem saber porque. A questão é que simplesmente corro demais.
A rotina começa duramente cedo, bem cedo e acaba muito tarde, bem tarde, quando já é dia seguinte. O sono é regalia, umas cinco horas devem bastar e se não bastam, eu me contento.
E foi assim nessa frenética rotina que eu me encontrei com minha filha e venho esbarrando nela, diariamente. Digo assim porque ela tem outro tempo, um tempo saudável e feliz, típico de uma criança de quatro anos.
Vamos, estamos atrasadas! E, pacientemente, ela coloca as presilhas no cabelo e escolhe a boneca que vai acompanhá-la até a escola. Anda logo filha! Mas ela ainda está vendo as figuras de um livro ou guardando, uma a uma, as pecinhas de um jogo. Depressa, não vai dar tempo! Ela beijando sua ovelhinha de pelúcia e colocando o cinto do carro na bichinha. Mas que demora! Mas ela ainda acarinha os cachorros que tanto ama e resolve dar uns biscoitos. Come logo essa comida! E a comida, está na boca, virando purê, enquanto ela ouve uma história do vovô.
Na vida da minha filha o tempo é largo, barrigudo, sobra espaço para tudo o que for bom, feliz, sensível e curioso. Ela aproveita a água do banho, o abraço do pai, a lambança das tintas no papel, o sabor de um almoço, o frescor de um suco... Há tempo para cada coisa. E dorme cedo e dorme bem e dorme muito.
Então desde que ela chegou, atravessando a minha vida devagar, eu venho me perguntando sobre essa insanidade de viver às pressas. Eu tão esperta por ser ágil, ganhei uma filha esperta por viver com prazer e verdade, no tempo que lhe convém.
Acho mesmo que ela está certa, além de esperta, é mais inteligente que eu. Porque vivendo bem, no próprio ritmo, economiza energias e poupa o corpo de estresses desnecessários. Está sempre sorrindo, com o espírito de prontidão.
Eu é que preciso me corrigir.
Tarefa difícil para quem sempre usou agenda ou marcou quinhentos compromissos num único dia. Parece impossível desacelerar.
Mas não é.
Exercitar a paciência e o controle da ansiedade com certeza me fará uma mãe melhor
Uma esperteza de fazer o que tem que ser feito, com eficiência e rapidez.
E de alguma maneira, essa minha qualidade, nos tempos contemporâneos da falta de tempo para tudo, tornou-se um fardo, um algo do qual virei refém.
Pode o dia ter 24, 32 ou 100 mil horas, eu ainda não darei conta de tudo o que está por fazer. E então eu aprendi a viver correndo, na tentativa de fazer tudo, porque é preciso.
Não sei bem quem me ensinou que é preciso ou se acredito nisso sem nem saber porque. A questão é que simplesmente corro demais.
A rotina começa duramente cedo, bem cedo e acaba muito tarde, bem tarde, quando já é dia seguinte. O sono é regalia, umas cinco horas devem bastar e se não bastam, eu me contento.
E foi assim nessa frenética rotina que eu me encontrei com minha filha e venho esbarrando nela, diariamente. Digo assim porque ela tem outro tempo, um tempo saudável e feliz, típico de uma criança de quatro anos.
Vamos, estamos atrasadas! E, pacientemente, ela coloca as presilhas no cabelo e escolhe a boneca que vai acompanhá-la até a escola. Anda logo filha! Mas ela ainda está vendo as figuras de um livro ou guardando, uma a uma, as pecinhas de um jogo. Depressa, não vai dar tempo! Ela beijando sua ovelhinha de pelúcia e colocando o cinto do carro na bichinha. Mas que demora! Mas ela ainda acarinha os cachorros que tanto ama e resolve dar uns biscoitos. Come logo essa comida! E a comida, está na boca, virando purê, enquanto ela ouve uma história do vovô.
Na vida da minha filha o tempo é largo, barrigudo, sobra espaço para tudo o que for bom, feliz, sensível e curioso. Ela aproveita a água do banho, o abraço do pai, a lambança das tintas no papel, o sabor de um almoço, o frescor de um suco... Há tempo para cada coisa. E dorme cedo e dorme bem e dorme muito.
Então desde que ela chegou, atravessando a minha vida devagar, eu venho me perguntando sobre essa insanidade de viver às pressas. Eu tão esperta por ser ágil, ganhei uma filha esperta por viver com prazer e verdade, no tempo que lhe convém.
Acho mesmo que ela está certa, além de esperta, é mais inteligente que eu. Porque vivendo bem, no próprio ritmo, economiza energias e poupa o corpo de estresses desnecessários. Está sempre sorrindo, com o espírito de prontidão.
Eu é que preciso me corrigir.
Tarefa difícil para quem sempre usou agenda ou marcou quinhentos compromissos num único dia. Parece impossível desacelerar.
Mas não é.
Exercitar a paciência e o controle da ansiedade com certeza me fará uma mãe melhor
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Sobre a Morte
Quando exercitamos a auto-consciência, depois de sentirmos na pele que nada é absolutamente definitivo, nem a própria vida ou a de quem amamos demais, compreendemos a inutilidade do orgulho e de disputas, a estupidez da ganância ou da arrogância... e passamos a valorizar a beleza da sensibilidade, o prazer que nos lava a alma quando perdoamos o outro e nos perdoamos, a bênção que pode ser um abraço, um beijo, um sorriso ou uma palavra doce, a alegria de acordar e ter mais uma chance de amar e ser amado, de tentar tudo de novo... A realidade da morte bate à nossa porta para nos dizer da vida.
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
Sobre a Caridade
Quando uma mãe perde seu filho, ela ganha o maior presente que Deus poderia dar à ela, mas que nunca teria coragem de pedir: o dom da caridade.
Servir de abrigo para uma criança, amando-a sem limites e aceitando a efemeridade de seu tempo no corpo físico, mas de ligação espiritual eterna, é praticar a mais pura caridade.E ao ser arrebatada por tal caridade, a mãe eleva-se temporariamente à condição de anjo, capaz de perceber o divino presente em tudo, em todos e nela própria.Depois disso, nunca mais será a mesma.Sua experiência de amor será tão profunda que jamais olhará as pessoas do mesmo jeito. Seus olhos estarão sempre embotados de tamanha caridade... e assim compreenderá o sentido de sua existência.
Pensamento Bom
Pensamento bom
É como luz no mundo:
Cria tudo que habita
- o céu, a terra e o entre,
anjos, homens, bichos e reinos.
Irradiação de vontade e calor,
Que emana do corpo
Pelo fio que nos liga ao divino,
Da cabeça aos mistérios.
Quando compartilhado,
Aquece outras almas
E vai se multiplicando, sem fim,
Feito chama de vela.
É como luz no mundo:
Cria tudo que habita
- o céu, a terra e o entre,
anjos, homens, bichos e reinos.
Irradiação de vontade e calor,
Que emana do corpo
Pelo fio que nos liga ao divino,
Da cabeça aos mistérios.
Quando compartilhado,
Aquece outras almas
E vai se multiplicando, sem fim,
Feito chama de vela.
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
O Fundo
Perplexa,
Percebia afogar-se
Na areia movediça
Da eterna perguntação.
Por que não experimentava
A leveza e plenitude
Da santa ignorância?
A toda hora e a todo custo
Vivia por respostas.
Então quase submersa,
Com a natureza em fúria
A devorar-lhe a carne crua,
Compreendeu um algo,
Que de tão grande,
Quase tirou-lhe o ar.
Era nas tripas
Que morava a vontade.
E por então isso bastava.
Tocou com a ponta dos dedos
O fundo, bem fundo...
Então o impulso
- de quem não quer morrer só -
Tomou conta de seu corpo e,
Devagar, começou a subir.
Não era preciso saber mais nada.
Percebia afogar-se
Na areia movediça
Da eterna perguntação.
Por que não experimentava
A leveza e plenitude
Da santa ignorância?
A toda hora e a todo custo
Vivia por respostas.
Então quase submersa,
Com a natureza em fúria
A devorar-lhe a carne crua,
Compreendeu um algo,
Que de tão grande,
Quase tirou-lhe o ar.
Era nas tripas
Que morava a vontade.
E por então isso bastava.
Tocou com a ponta dos dedos
O fundo, bem fundo...
Então o impulso
- de quem não quer morrer só -
Tomou conta de seu corpo e,
Devagar, começou a subir.
Não era preciso saber mais nada.
Princesa
Feito cachorro sem dono,
Esperava as migalhas debaixo da mesa.
Saciava o tanto de que precisava,
O pouco para que abrisse os olhos no dia seguinte.
Teimava em acreditar que era princesa,
Rainha de um banquete de gostosuras sem igual.
Carregava a vergonha amarga
De gostar menos de si do que de todo o resto.
Do que de todo mundo.
Esperava as migalhas debaixo da mesa.
Saciava o tanto de que precisava,
O pouco para que abrisse os olhos no dia seguinte.
Teimava em acreditar que era princesa,
Rainha de um banquete de gostosuras sem igual.
Carregava a vergonha amarga
De gostar menos de si do que de todo o resto.
Do que de todo mundo.
Cálculo
"Água mole em pedra dura tanto bate até que fura"
Sabedoria popular
Meu monolito particular.
Dor condensada e só
Lateja na forma
Embrionária do rim.
Aciono o botão
"Desentupir Filtros"
Mas está quebrado
Desde a última década.
Os minerais sempre mortos
Ajuntaram-se todos
Para me assombrar
Com suas histórias
De corpos calcificados.
Um banho morno
- alívio imediato -
Bem poderia umedecer
Todo o meu dentro revirado.
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Realinhamento
a Escrita
Mumifica
a Ideia
Efêmera
a Letra
Contém
um Caco
da Alma
a Palavra
Retém
o Impulso
da Vontade
o Poema
Traduz
a Arte
Anímica
a Poesia
Mantém
o Espírito
Vivo
Mumifica
a Ideia
Efêmera
a Letra
Contém
um Caco
da Alma
a Palavra
Retém
o Impulso
da Vontade
o Poema
Traduz
a Arte
Anímica
a Poesia
Mantém
o Espírito
Vivo
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
Donana Zulê
A demanda
Dança candombe
Ao som da macumba
A pendenga
Passa na mandinga
Abençoada por pomba
Dona quenga
Preta do Congo
Arrasta no samba
Ao toque da catimba
No dentro da tenda
Zulê tinha ginga
E fazia dengo
Com branco de renda
Era umbanda
Mistura de bandos
E farinha na pemba
Em busca de Aruanda
Dança candombe
Ao som da macumba
A pendenga
Passa na mandinga
Abençoada por pomba
Dona quenga
Preta do Congo
Arrasta no samba
Ao toque da catimba
No dentro da tenda
Zulê tinha ginga
E fazia dengo
Com branco de renda
Era umbanda
Mistura de bandos
E farinha na pemba
Em busca de Aruanda
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Mal Dizer
Sibila
Traiçoeira
E escondida
Num cochicho
Uma mentira
Dotada de asas
Que toca cada canto
E não volta mais.
Traiçoeira
E escondida
Num cochicho
Uma mentira
Dotada de asas
Que toca cada canto
E não volta mais.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Sanha
Era o som do sangue
Correndo, endoidecido,
Enrubescendo o rosto
Num tempo de raiva.
Rugia o fundo do olho,
Fixo, suspenso no fato
- miséria para consumir
as tripas e os ossos -
Entalado na garganta,
Um nó para ser cuspido.
As mãos, enfezadas,
Atritavam-se forte,
Escalpelam-se os dedos
- os mesmos, covardes,
que marcaram a cara
daquele amor santo.
Disso nascia o corvo
Que lhe bicaria o fígado
Num aflição eterna
E sem remédio vivo.
Correndo, endoidecido,
Enrubescendo o rosto
Num tempo de raiva.
Rugia o fundo do olho,
Fixo, suspenso no fato
- miséria para consumir
as tripas e os ossos -
Entalado na garganta,
Um nó para ser cuspido.
As mãos, enfezadas,
Atritavam-se forte,
Escalpelam-se os dedos
- os mesmos, covardes,
que marcaram a cara
daquele amor santo.
Disso nascia o corvo
Que lhe bicaria o fígado
Num aflição eterna
E sem remédio vivo.
O que Há e o que Falta
Desejava ter garantias,
Destino certo e determinado.
Não foi assim - nem nunca é mesmo.
Feito criança mimada,
Virou de lado,
Deu com os ombros
E esperou a mansidão,
A seda, a pluma, a suavidade
Azul de um faz-de-conta infantil.
Despreparado,
Foi engolido vivo,
Preso no olho do furacão.
Destino certo e determinado.
Não foi assim - nem nunca é mesmo.
Feito criança mimada,
Virou de lado,
Deu com os ombros
E esperou a mansidão,
A seda, a pluma, a suavidade
Azul de um faz-de-conta infantil.
Despreparado,
Foi engolido vivo,
Preso no olho do furacão.
domingo, 25 de agosto de 2013
Meio Morta
Enfronhada no medo
Que tinha do espelho
- verdade constante -
Bebia de mentiras,
De odores fétidos
E suaves texturas;
Que apaziguavam
Toda a inquietação.
Irremediavelmente,
Digeria, satisfeita,
A inércia aprazível
De nenhuma novidade;
E consumia seu tempo
Repetindo, sem pudor,
As mesmices insanas
De uma mulher comum.
Mas até uma brisa
Que resvalasse na porta
Imponente de sua casa...
Ah, que tormento!
Atônita, tremia e gritava,
Chamava o nome de deus
E de todos mais.
Ninguém vinha!
E ela, assim só,
Escondida nas cobertas,
Olhava, perplexa,
A tal brisa passar
- mais uma vez.
Era tão feliz no cárcere
- sofá aconchegante -
Da plena acomodação.
Que tinha do espelho
- verdade constante -
Bebia de mentiras,
De odores fétidos
E suaves texturas;
Que apaziguavam
Toda a inquietação.
Irremediavelmente,
Digeria, satisfeita,
A inércia aprazível
De nenhuma novidade;
E consumia seu tempo
Repetindo, sem pudor,
As mesmices insanas
De uma mulher comum.
Mas até uma brisa
Que resvalasse na porta
Imponente de sua casa...
Ah, que tormento!
Atônita, tremia e gritava,
Chamava o nome de deus
E de todos mais.
Ninguém vinha!
E ela, assim só,
Escondida nas cobertas,
Olhava, perplexa,
A tal brisa passar
- mais uma vez.
Era tão feliz no cárcere
- sofá aconchegante -
Da plena acomodação.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Amor
Entre as pneumonias de tristeza
E a saudade melancólica do que findou
É que brilha, latejante, a felicidade:
Dormir na paz quente de meu travesseiro
E acordar, manhã cedinho, inda escuro,
Com tua voz berrante me chamando.
Sim, eu tenho mais um dia para te amar.
Homem
Foi na curva da estrada
Que perdi minha configuração.
Onde estava, a essa altura,
O vegetal que me habitava?
Até as pedras daquele rio
Escarneciam do meu infortúnio.
Eu ali, faltando partes,
Os sentidos me escapando...
Restou-me a chata da razão
Para dizer-me do certo,
Do mineral presente na morte
E de tantas outras bobagens
Descartáveis e acomodadas.
Eu era um homem
E mal sabia de mim.
Que perdi minha configuração.
Onde estava, a essa altura,
O vegetal que me habitava?
Até as pedras daquele rio
Escarneciam do meu infortúnio.
Eu ali, faltando partes,
Os sentidos me escapando...
Restou-me a chata da razão
Para dizer-me do certo,
Do mineral presente na morte
E de tantas outras bobagens
Descartáveis e acomodadas.
Eu era um homem
E mal sabia de mim.
domingo, 18 de agosto de 2013
Caminho
Momento e sentidos:
Percepção dos fatos.
Por horas a digestão.
Impressões rodopiam
E significam coisas e
De repente, são outras
E então nem são mais.
Bem tarde, já velhos,
Cansados mas vívidos:
Recordar e reconhecer
Que tantos guardados
Carregam vida própria.
Percepção dos fatos.
Por horas a digestão.
Impressões rodopiam
E significam coisas e
De repente, são outras
E então nem são mais.
Bem tarde, já velhos,
Cansados mas vívidos:
Recordar e reconhecer
Que tantos guardados
Carregam vida própria.
sábado, 17 de agosto de 2013
Trimembração
Corpo que percebe.
Matéria do sentir.
Casa da alma.
Efêmero.
Alma do movimento.
Vínculo do viver.
Casa do sonho.
Passageiro.
Espírito da vontade.
Impulso da ação.
Casa do ser.
Perene.
Matéria do sentir.
Casa da alma.
Efêmero.
Alma do movimento.
Vínculo do viver.
Casa do sonho.
Passageiro.
Espírito da vontade.
Impulso da ação.
Casa do ser.
Perene.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Anjo de Guarda
Anjo de guarda da minha vasta alma,
Pássaro do céu azul e do bom querer,
Teu suave regaço de flores de palma,
Protege meu coração e o faz florescer.
Repouso em certeza de paz infinita,
Por quanto durar o que há de tempo...
Mesmo que a vida queira por-me aflita,
Recordo o amor que me trouxe no vento.
Adormeço na quietude de tua casa,
Sozinha no morno branco de tua asa,
Útero que acolhe as migalhas de mim.
Hálito do bem que meu sono embala,
Um sopro divino a tua boca exala,
Para acender luz nessa noite sem fim.
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
S
I
Maldita letra torta
Costurada no septo
Que me enroscava o ar
Consoante teimosa
Reflexo do caminho
Que eu seguia só
Tuas perigosas curvas
Entornavam os devaneios
Para ver-me derrapar
Princípio da solitude
Que se dobrava no passo
Para findar o mas
Dito sem nem compostura
II
Bendita letra torta
Presente nas palavras
Que escolhi a dedo
Para viver minha paz
Estava na poesia
E nos nomes das meninas
Prá quem guardei amor
Estampada no meio da asa
Do anjo que me velava
E que me fazia voar
Maldita letra torta
Costurada no septo
Que me enroscava o ar
Consoante teimosa
Reflexo do caminho
Que eu seguia só
Tuas perigosas curvas
Entornavam os devaneios
Para ver-me derrapar
Princípio da solitude
Que se dobrava no passo
Para findar o mas
Dito sem nem compostura
II
Bendita letra torta
Presente nas palavras
Que escolhi a dedo
Para viver minha paz
Estava na poesia
E nos nomes das meninas
Prá quem guardei amor
Estampada no meio da asa
Do anjo que me velava
E que me fazia voar
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Retornos II
Onda em mim.
Guardei teu movimento
Na memória da pele e
Na entranha do ventre.
Prazer em ser casa
De tua doce dança.
O que lembro de ti
É o encanto suave
De um bailar submerso
E da força tenaz
De revirar-se no dentro.
Meu relicário,
Quente e maternal,
Ainda lateja tua falta.
Ah, se eu pudesse escalar
O cordão que me liga ao céu
Para sentir você outra vez...
Guardei teu movimento
Na memória da pele e
Na entranha do ventre.
Prazer em ser casa
De tua doce dança.
O que lembro de ti
É o encanto suave
De um bailar submerso
E da força tenaz
De revirar-se no dentro.
Meu relicário,
Quente e maternal,
Ainda lateja tua falta.
Ah, se eu pudesse escalar
O cordão que me liga ao céu
Para sentir você outra vez...
terça-feira, 23 de julho de 2013
Sonetos Imprevisíveis
I
De traço delicado
E alvura sem igual;
O corpo desenhado:
Era a face de um dragão.
Abria, envergonhado,
Ao menor sinal
De um som tilintado:
Era o fim da solidão.
Esperava noite e dia
Guardando o melhor doce
Em que ela se banharia...
Ah, como queria
Que quando ela fosse,
Desse certeza que voltaria!
II
De porte importado
E chapéu de sisal;
O dorso tatuado:
Era um nome escrito à mão.
Sorria, encabulado,
Ao menor sinal
De um brilho prateado:
Findava sua escuridão.
Mas, nervoso, ele via
Ela dançando noutra mão!
E assim tudo acabaria...
Revoltado de paixão,
Lá do alto pularia
Para espatifar-se ao chão.
III
Todo o doce desse amor,
Derramado sem pudor.
"O açucareiro e a colher"
De traço delicado
E alvura sem igual;
O corpo desenhado:
Era a face de um dragão.
Abria, envergonhado,
Ao menor sinal
De um som tilintado:
Era o fim da solidão.
Esperava noite e dia
Guardando o melhor doce
Em que ela se banharia...
Ah, como queria
Que quando ela fosse,
Desse certeza que voltaria!
II
De porte importado
E chapéu de sisal;
O dorso tatuado:
Era um nome escrito à mão.
Sorria, encabulado,
Ao menor sinal
De um brilho prateado:
Findava sua escuridão.
Mas, nervoso, ele via
Ela dançando noutra mão!
E assim tudo acabaria...
Revoltado de paixão,
Lá do alto pularia
Para espatifar-se ao chão.
III
Todo o doce desse amor,
Derramado sem pudor.
"O açucareiro e a colher"
sábado, 20 de julho de 2013
Sem e Com Você
I
Deitar sem descanso
Dormir com remédios
Vestir-se sem apreço
Passear com culpa
Pensar sem silêncio
Remoer com hipóteses
Acordar sem vontade
Abraçar com medo
Seguir sem rumo
Caminhar com tropeço
Passar sem lembrar
Cansar com calendário
Recostar sem sossego
Rever com terapia
Chorar sem plateía
Sangrar com demora
Perguntar sem respostas
Rasgar-se com raiva
Levantar sem prumo
Viver com saudade
Relembrar sem paz
Sentir com alma
Gritar sem som
Amar com vísceras
II
Sofrer sem tempo
Pedir com fé
Sedimentar sem dor
Curar com paciência
Planejar sem pressa
Eternizar com carinho
III
Tua vida na minha
Com começo e sem fim
Deitar sem descanso
Dormir com remédios
Vestir-se sem apreço
Passear com culpa
Pensar sem silêncio
Remoer com hipóteses
Acordar sem vontade
Abraçar com medo
Seguir sem rumo
Caminhar com tropeço
Passar sem lembrar
Cansar com calendário
Recostar sem sossego
Rever com terapia
Chorar sem plateía
Sangrar com demora
Perguntar sem respostas
Rasgar-se com raiva
Levantar sem prumo
Viver com saudade
Relembrar sem paz
Sentir com alma
Gritar sem som
Amar com vísceras
II
Sofrer sem tempo
Pedir com fé
Sedimentar sem dor
Curar com paciência
Planejar sem pressa
Eternizar com carinho
III
Tua vida na minha
Com começo e sem fim
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Mão
Mão que afaga e tece
Que trama um cordão de contas
Mão que esmaga e escreve
Que caleja dos dedos as pontas
Mão que acena e segura
Que estapeia, torce e empunha
Mão que apoia e esfrega
Que treme, acarinha e se entrega
Mão que constrói e suplanta
Que destrói, aponta e nega
Mão de amor e de cura santa
Que planta, aduba e rega
Queria a mão, assim bem gigante!
E que ela pudesse reter o tempo
Em que se ama e se á amado.
Que trama um cordão de contas
Mão que esmaga e escreve
Que caleja dos dedos as pontas
Mão que acena e segura
Que estapeia, torce e empunha
Mão que apoia e esfrega
Que treme, acarinha e se entrega
Mão que constrói e suplanta
Que destrói, aponta e nega
Mão de amor e de cura santa
Que planta, aduba e rega
Queria a mão, assim bem gigante!
E que ela pudesse reter o tempo
Em que se ama e se á amado.
Ao Deitar
O silêncio não está.
Bato à porta, o procuro...
Em vão.
São tantos os ruídos:
Infinito sonoro do pensar.
Nem na mata,
Lá no céu,
No fundo do oceano
Ou na embalagem hermeticamente fechada do café.
Sim, ele se foi.
E eu o quero para mim.
Um minuto sem som,
Um tempo só vazio.
Então seria bom.
Eu poderia ouvir a menina calada de mim,
Aquela que dorme e que eu amo.
Mas o silêncio não está.
Bato à porta, o procuro...
Em vão.
São tantos os ruídos:
Infinito sonoro do pensar.
Nem na mata,
Lá no céu,
No fundo do oceano
Ou na embalagem hermeticamente fechada do café.
Sim, ele se foi.
E eu o quero para mim.
Um minuto sem som,
Um tempo só vazio.
Então seria bom.
Eu poderia ouvir a menina calada de mim,
Aquela que dorme e que eu amo.
Mas o silêncio não está.
Todo o Amor
Sol
Céu
Mar
Som
Rio
Ar
Fogo
Terra
Flor
Chuva
Mato
Cor
Pedra
Planta
Bicho
Cheiro
Nuvem
Estrela
Você
Tudo foi o amor que fez.
Céu
Mar
Som
Rio
Ar
Fogo
Terra
Flor
Chuva
Mato
Cor
Pedra
Planta
Bicho
Cheiro
Nuvem
Estrela
Você
Tudo foi o amor que fez.
domingo, 14 de julho de 2013
Frida
Figurava em meio a multidão
Tua presença ímpar de calor,
Olhos brilhantes e sem razão
Emoldurados por dias de dor.
O teu corpo, belo e fiel registro
Das tentativas de consertar-se,
Exalava paz e horror, um misto,
Tuas verdades, sem disfarce.
Como nunca, entintava a tela
E fazia do caminho sua beleza.
Picada em mil pedaços vinha ela:
Frida envolta em própria riqueza.
Tuas cores, cheiro e pelos,
Era graça atemporal e doentia.
Ah! teu pincel... queria sê-lo
Para pintar o amor que me valeria.
Tua presença ímpar de calor,
Olhos brilhantes e sem razão
Emoldurados por dias de dor.
O teu corpo, belo e fiel registro
Das tentativas de consertar-se,
Exalava paz e horror, um misto,
Tuas verdades, sem disfarce.
Como nunca, entintava a tela
E fazia do caminho sua beleza.
Picada em mil pedaços vinha ela:
Frida envolta em própria riqueza.
Tuas cores, cheiro e pelos,
Era graça atemporal e doentia.
Ah! teu pincel... queria sê-lo
Para pintar o amor que me valeria.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
A Questão
Cafezinho de coador
Uma dúzia de moedas
Carinho de mãe
Um dia na praia
Uma mordida num bombocado
A vida do teu filho
Calcinha combinando com sutiã
Um gole de vodka
Histórias de assombração
Ir à festa sem ser convidado
Gol do seu time aos 45
Lençol de algodão egípcio
A pipa no céu
Muito dinheiro no banco
Livro novo e quase esgotado
Um par de sapatos Prada
Fotografia da família reunida
O carro do ano
Casamento feliz
Um banho morno no fim do dia
Pai Nosso na cama
Um filme B no cinema
Seu poodle abanando o rabo
Bandeirinhas de festa junina
Músicas de Beethoven
Um passeio de bicicleta
Álbum de figurinhas completado
O Papa
Uma cantada na rua
Colesterol baixo
Barzinho com os amigos
Um beijo roubado
Massagem nos pés logo cedo
Docinhos de festa
Gostar do próprio corpo
Cachoeira nas costas
Uma dúzia de moedas
Carinho de mãe
Um dia na praia
Uma mordida num bombocado
A vida do teu filho
Calcinha combinando com sutiã
Um gole de vodka
Histórias de assombração
Ir à festa sem ser convidado
Gol do seu time aos 45
Lençol de algodão egípcio
A pipa no céu
Muito dinheiro no banco
Livro novo e quase esgotado
Um par de sapatos Prada
Fotografia da família reunida
O carro do ano
Casamento feliz
Um emprego bem remunerado
Orgasmos múltiplosUm banho morno no fim do dia
Pai Nosso na cama
Um filme B no cinema
Seu poodle abanando o rabo
Bandeirinhas de festa junina
Músicas de Beethoven
Um passeio de bicicleta
Álbum de figurinhas completado
O Papa
Uma cantada na rua
Colesterol baixo
Barzinho com os amigos
Um beijo roubado
Massagem nos pés logo cedo
Docinhos de festa
Gostar do próprio corpo
Cachoeira nas costas
Biscoitos amanteigados
Cheiro de roupa nova
Sombra de árvore
Vinho branco na taça correta
Bolsa sem buraco negro
Blusa quente em dia gelado
Uma oração para Oxalá
Orquídea em flor
Garoa fina na madrugada paulista
A palavra certa para a poesia
Um telefonema tão esperado
A Xuxa
A aspereza do sertão
Uma unha desencravada
Um Degas aquarelado
A gostosa da revista
Carta de gente bem distante
Escolher o nome do bebê que vem
Viajar de mochila e chinelo
Um cachorro quente prensado
Elogio do chefe
Amassos no elevador
Brincar com os sobrinhos
Sair transformada do cabeleireiro
As ruas sem trânsito no feriado
Promoção leve 3 pague 2
Encontro romântico
Passarinhos cantando de manhã
Sumir de caso pensado
Então, o que te faz feliz?
Monstro
Envolto em couro de dromedário,
Dois dedos nos pés, como o avestruz.
No peito batia um coração solitário,
Feito de glacê e coberto de alcaçuz.
Por fora, o corpo medonho e nojento...
Dono de um talho na fronte ovalada,
Deixava escorrer um azul sangrento
Que formava a poça onde descansava.
Mas por dentro, o monstro se desfazia
De tanta carência e falta de amor.
Desinformado, ele próprio nem sabia,
De sua beleza escondida no horror.
Todo tempo, imerso em feiúra e maldade,
Havia esquecido o menino que era...
Olhos desconfiados, em qualquer parte
De seu dorso roxo e enrugado de fera,
Fitavam, atônitos, nos outros o medo:
vastos espelhos do seu negado eu.
E comia-lhes até a ponta dos dedos
Para que não lhe tomassem o que era seu.
A noite a lua minguava e o mundo dormia
Enquanto o grotesco, coitado, chorava...
De pesadelos, lembranças e esquizofrenia;
De remorso, pavor, tristeza e dor calada.
Debaixo do céu, ele reinava soberano,
Sentado em seu trono de chifres de boi;
Mas ninguém sabia do seu único plano:
Proteger a memória de quem realmente foi.
Dois dedos nos pés, como o avestruz.
No peito batia um coração solitário,
Feito de glacê e coberto de alcaçuz.
Por fora, o corpo medonho e nojento...
Dono de um talho na fronte ovalada,
Deixava escorrer um azul sangrento
Que formava a poça onde descansava.
Mas por dentro, o monstro se desfazia
De tanta carência e falta de amor.
Desinformado, ele próprio nem sabia,
De sua beleza escondida no horror.
Todo tempo, imerso em feiúra e maldade,
Havia esquecido o menino que era...
Olhos desconfiados, em qualquer parte
De seu dorso roxo e enrugado de fera,
Fitavam, atônitos, nos outros o medo:
vastos espelhos do seu negado eu.
E comia-lhes até a ponta dos dedos
Para que não lhe tomassem o que era seu.
A noite a lua minguava e o mundo dormia
Enquanto o grotesco, coitado, chorava...
De pesadelos, lembranças e esquizofrenia;
De remorso, pavor, tristeza e dor calada.
Debaixo do céu, ele reinava soberano,
Sentado em seu trono de chifres de boi;
Mas ninguém sabia do seu único plano:
Proteger a memória de quem realmente foi.
terça-feira, 9 de julho de 2013
Rua
Ajuntados, sozinhos, perambulando
Uns moços, outros velhos, desejando
Gestos, beijos, goles e acenos...
Urge o tempo de sorrir para a rua!
Saias, cuturnos, olhares obscenos
Tudo convive sob a mesma lua.
A noite é curta para tanto querer.
Uns moços, outros velhos, desejando
Gestos, beijos, goles e acenos...
Urge o tempo de sorrir para a rua!
Saias, cuturnos, olhares obscenos
Tudo convive sob a mesma lua.
A noite é curta para tanto querer.
sexta-feira, 5 de julho de 2013
Do Amor
I
Era bem querer
E querer demais
Não o querer qualquer
Nem um querer jamais
E no bem-me-quer
De querer meu bem
Meu bem quis também
Todo o bem da paz
E juntos queridos
Amamos bem e mais
II
Quero-quero na janela
Manhã de sol
O meu bem é ela
Sol da manhã
E eu querendo mais...
Era bem querer
E querer demais
Não o querer qualquer
Nem um querer jamais
E no bem-me-quer
De querer meu bem
Meu bem quis também
Todo o bem da paz
E juntos queridos
Amamos bem e mais
II
Quero-quero na janela
Manhã de sol
O meu bem é ela
Sol da manhã
E eu querendo mais...
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Urgente
I
Vem!
Repara e ouve isso tudo.
É a urgência de viver:
Minutos felizes
No para sempre do agora.
II
Não perca a lágrima,
O grito,
O giro da saia,
O beijo na boca,
O vento no rosto,
O cheiro do mato,
O quente do banho,
O gosto da fome saciada...
III
Vem ver o abrir da asa
Da linda borboleta
Ao sair do casulo.
A flor de laranjeira,
Que de ontem para hoje
Tocou de um branco puro
O verde do teu jardim.
Repara o doce sorriso
Primeiro do bebê
Ao ver o rosto da mãe.
A mão do molequinho
Que toca, em timidez,
A palma da menina
A qual quer tanto bem.
Ouve o canto da senhora,
Varrendo o quintal,
Ao sol dessa manhã.
O som da mordida
Em delicioso biscoito,
Crocante e salgado
Em seu desjejum.
Tem tanta coisa para viver...
Acorde leve para a luz do dia!
Vem!
Repara e ouve isso tudo.
É a urgência de viver:
Minutos felizes
No para sempre do agora.
II
Não perca a lágrima,
O grito,
O giro da saia,
O beijo na boca,
O vento no rosto,
O cheiro do mato,
O quente do banho,
O gosto da fome saciada...
III
Vem ver o abrir da asa
Da linda borboleta
Ao sair do casulo.
A flor de laranjeira,
Que de ontem para hoje
Tocou de um branco puro
O verde do teu jardim.
Repara o doce sorriso
Primeiro do bebê
Ao ver o rosto da mãe.
A mão do molequinho
Que toca, em timidez,
A palma da menina
A qual quer tanto bem.
Ouve o canto da senhora,
Varrendo o quintal,
Ao sol dessa manhã.
O som da mordida
Em delicioso biscoito,
Crocante e salgado
Em seu desjejum.
Tem tanta coisa para viver...
Acorde leve para a luz do dia!
Peso
Sacolas de roupas velhas
Doadas para gente estranha.
Cartas e postais e bilhetes
Queimam, sós, na lareira.
O relógio engavetado
Na penteadeira do quarto.
Os cartões bancários
Cortados ao meio.
As bolsas aposentadas
- em armários velhos -
Não gritam obscenidades.
Poemas pela metade
Rasgados em pedacinhos.
Anotações e cadernetas
Dormem no lixo reciclável.
Retratos voltados à parede
Fitam, perplexos, o látex
E nem olham mais para ela.
Números telefônicos
Apagados e sem destino.
Livros e lembranças
Encaixotados num porão.
As xícaras pintadas à mão
Foram para a casa da tia.
O carro? Vendido.
A casa? Leiloada.
Agora, mais leve.
Doadas para gente estranha.
Cartas e postais e bilhetes
Queimam, sós, na lareira.
O relógio engavetado
Na penteadeira do quarto.
Os cartões bancários
Cortados ao meio.
As bolsas aposentadas
- em armários velhos -
Não gritam obscenidades.
Poemas pela metade
Rasgados em pedacinhos.
Anotações e cadernetas
Dormem no lixo reciclável.
Retratos voltados à parede
Fitam, perplexos, o látex
E nem olham mais para ela.
Números telefônicos
Apagados e sem destino.
Livros e lembranças
Encaixotados num porão.
As xícaras pintadas à mão
Foram para a casa da tia.
O carro? Vendido.
A casa? Leiloada.
Agora, mais leve.
Pássaros
Os periquitos domesticados possuem as asas cortadas, mas também já não há ventania boa que faça a gaivota planar. O que os une é o canto.
Fardo
E numa fração de segundo,
O corpo pesa o tanto do mundo.
O pensamento, o peito, os poros,
Tudo em mim carrega você.
O corpo pesa o tanto do mundo.
O pensamento, o peito, os poros,
Tudo em mim carrega você.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
Filhinha
À essa réstia de sol,
Que adentrou meu caminho
Deixando rastro de luz e cinza,
Toda a minha gratidão e prece.
Que adentrou meu caminho
Deixando rastro de luz e cinza,
Toda a minha gratidão e prece.
Nely
Tal qual malha tricotada,
Em lã vermelha e cardada,
Nas mãos de vovozinha paciente,
Era o aconchego de seu colo.
Amiga que cruzou minha estrada,
Montou barraca e fez morada,
Plantou com amor uma semente
E ainda adubou meu solo.
Ficou, sem nem pedir licença,
Desatou o nó da desavença
Que havia entre eu e o mistério
De tudo o que eu não sei no pensamento,
Só no sentir do coração.
Tuas palavras de mãe que ensina,
Doces verdades sem rima,
Por vezes cheias de um ar tão sério,
São, para mim, a força de um vento
Ou o amor presente numa oração.
E caminhando ao seu lado,
Descobri cores, coisas, cacos,
Flores, felicidades, fé.
Em lã vermelha e cardada,
Nas mãos de vovozinha paciente,
Era o aconchego de seu colo.
Amiga que cruzou minha estrada,
Montou barraca e fez morada,
Plantou com amor uma semente
E ainda adubou meu solo.
Ficou, sem nem pedir licença,
Desatou o nó da desavença
Que havia entre eu e o mistério
De tudo o que eu não sei no pensamento,
Só no sentir do coração.
Tuas palavras de mãe que ensina,
Doces verdades sem rima,
Por vezes cheias de um ar tão sério,
São, para mim, a força de um vento
Ou o amor presente numa oração.
E caminhando ao seu lado,
Descobri cores, coisas, cacos,
Flores, felicidades, fé.
terça-feira, 25 de junho de 2013
Escolha
Um mar de interrogações
Onde boiava o pensamento.
Se razão, se emoções...
Seguiria por qual vento?
O interior revirando só:
Vai-e-vem descompassado.
E no estômago, um nó,
Esperando ser desatado.
Tanta dúvida ajuntada
Era mesmo para inquietar.
O corpo gemia e chorava...
E elas ainda estavam lá.
As perguntas perguntativas,
De rasgar um'alma em mil!
Emaranhado de subjetivas:
Tantas palavras em rodopio.
Onde boiava o pensamento.
Se razão, se emoções...
Seguiria por qual vento?
O interior revirando só:
Vai-e-vem descompassado.
E no estômago, um nó,
Esperando ser desatado.
Tanta dúvida ajuntada
Era mesmo para inquietar.
O corpo gemia e chorava...
E elas ainda estavam lá.
As perguntas perguntativas,
De rasgar um'alma em mil!
Emaranhado de subjetivas:
Tantas palavras em rodopio.
sexta-feira, 21 de junho de 2013
Resistência
Ainda que feita de puro sisal,
Em trama flexível mas forte no cerne,
De tão puxada - com força abusiva,
Esgarçou-se demoradamente e sem alarde,
Até que num dia de balanço qualquer,
A corda jovial de sua resistência,
Estourou de uma só vez.
E partida ao meio,
Já não havia nó, cola ou fogo que a recompusesse.
Em trama flexível mas forte no cerne,
De tão puxada - com força abusiva,
Esgarçou-se demoradamente e sem alarde,
Até que num dia de balanço qualquer,
A corda jovial de sua resistência,
Estourou de uma só vez.
E partida ao meio,
Já não havia nó, cola ou fogo que a recompusesse.
Nuvem
Ao longe, migrava,
Era toda algodão...
E o vento a ventava,
Fluir na imensidão.
Talvez cama de anjo,
Pula-pula de alma.
De perto, dispersava,
Era só poluição...
E o vento a ventava,
Fumaça na escuridão.
Nuvem confirma o jargão:
Nem tudo é o que parece.
Era toda algodão...
E o vento a ventava,
Fluir na imensidão.
Talvez cama de anjo,
Pula-pula de alma.
De perto, dispersava,
Era só poluição...
E o vento a ventava,
Fumaça na escuridão.
Nuvem confirma o jargão:
Nem tudo é o que parece.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Divino ao Redor
Verde, vivo,
Cheiro do mato.
Mudas, ramos,
Grama molhada.
Fresco, água,
Os pés afundados.
Galhos, folhas,
Terra adubada.
Beijinhos, margaridas,
Espadas e pimentas.
Dedinhos, orquídeas,
Flores e suculentas.
Plantas para o coração.
Caminhos para a paz.
O divino ao redor.
Cheiro do mato.
Mudas, ramos,
Grama molhada.
Fresco, água,
Os pés afundados.
Galhos, folhas,
Terra adubada.
Beijinhos, margaridas,
Espadas e pimentas.
Dedinhos, orquídeas,
Flores e suculentas.
Plantas para o coração.
Caminhos para a paz.
O divino ao redor.
Maldade - II
Sentada à mesa,
Cotovelos apoiados,
A saliva escorre
Pelo canto da boca.
Silenciosamente e
Demoradamente,
Aprecia as iguarias e
Rói até o osso.
É disso que come
E se satisfaz e
Conta aos chegados
Como fosse vantagem.
Fartura de maldade
Agrada seu paladar.
Cotovelos apoiados,
A saliva escorre
Pelo canto da boca.
Silenciosamente e
Demoradamente,
Aprecia as iguarias e
Rói até o osso.
É disso que come
E se satisfaz e
Conta aos chegados
Como fosse vantagem.
Fartura de maldade
Agrada seu paladar.
quarta-feira, 5 de junho de 2013
Tempo do Luto
Ver morrer um filho é ganhar um nó na garganta, que deseja desatar em gritos pela duração da eternidade. Engasgar e permanecer perplexo, pairando sobre a própria existência, anestesiado até as entranhas. Aguar-se às escondidas para não incomodar felicidades alheias. Tocar, sem demora, os outros tantos que ama, para não despertar-lhes aquela caridade piedosa; ou pior, por terror instantâneo de apegar-se ainda mais, a todos que vão. E ver tudo seguir, pela fresta da janela poeirenta daquele cômodo, em que se instalou temporariamente, apenas para se proteger dela: a vida.
- Pára o mundo que eu quero descer!
Longo mergulho, sem respiro, toneladas amarradas ao corpo rumo ao escuro, vazio, sem som, da solidão. Quando, então, os pés tocam o fundo viscoso desse poço quase sem fim, só poderá ser deles a força e o impulso para retornar à superfície; subir à tona para observar, cuidadosamente, a nova vista. E enfim apreciá-la, sem a pena da memória, só com o sabor da saudade.
- Pára o mundo que eu quero descer!
Longo mergulho, sem respiro, toneladas amarradas ao corpo rumo ao escuro, vazio, sem som, da solidão. Quando, então, os pés tocam o fundo viscoso desse poço quase sem fim, só poderá ser deles a força e o impulso para retornar à superfície; subir à tona para observar, cuidadosamente, a nova vista. E enfim apreciá-la, sem a pena da memória, só com o sabor da saudade.
terça-feira, 28 de maio de 2013
Da Indiferença
Rabo de olhar.
Manhã sem bom dia.
Despedida sem beijo.
Palavras que vagam:
Sozinhas, monólogas.
Solilóquios coitados.
Presença sem alma.
O toque extirpado.
As costas, a nuca:
Imagens do que restou.
Chamada em espera.
E-mails nos spam.
Sombra que percorre
Cômodos sem calor.
Um bom sapateado
Na dignidade alheia.
Está posta a mesa
Para um só comer.
Os talheres escondidos
No pano recalcado
Da velha indiferença.
Manhã sem bom dia.
Despedida sem beijo.
Palavras que vagam:
Sozinhas, monólogas.
Solilóquios coitados.
Presença sem alma.
O toque extirpado.
As costas, a nuca:
Imagens do que restou.
Chamada em espera.
E-mails nos spam.
Sombra que percorre
Cômodos sem calor.
Um bom sapateado
Na dignidade alheia.
Está posta a mesa
Para um só comer.
Os talheres escondidos
No pano recalcado
Da velha indiferença.
sexta-feira, 24 de maio de 2013
Canto para Oxum
Eu vi mamãe Oxum chorando a morte
Do filho consagrado ao Pai do céu.
Em volta dela era um rio de pranto
Feito de puro amor com gosto de mel.
Luzia o ouro do teu ventre aberto,
Imerso n'água calma e infinita...
E coroada de lírios da mata
Era a mulher mais só e também a mais bonita.
Sua dor corria ao longe, pro oceano:
Espelho do céu, nossa Aruanda.
Oxum, doce mamãe que tanto amo,
O teu brilho vivifica e meu coração encanta.
Do filho consagrado ao Pai do céu.
Em volta dela era um rio de pranto
Feito de puro amor com gosto de mel.
Luzia o ouro do teu ventre aberto,
Imerso n'água calma e infinita...
E coroada de lírios da mata
Era a mulher mais só e também a mais bonita.
Sua dor corria ao longe, pro oceano:
Espelho do céu, nossa Aruanda.
Oxum, doce mamãe que tanto amo,
O teu brilho vivifica e meu coração encanta.
sábado, 11 de maio de 2013
Para sempre Mãe
I
Um sorriso largo
Estampa meu rosto,
Na volta para casa,
Porque você me espera.
Pode ser sol, chuva
Ou um dia tedioso:
Eu recebo teus beijos,
Carinho e abraço,
Afago e calor no colo.
Para sempre filha,
Isadora.
II
Uma paz mansa
Inundará minh'alma,
Na volta para Casa,
Porque você me espera.
Já não haverá vento,
Sombra ou nebulosa:
Eu receberei teus beijos,
Carinho e abraço,
Afago e calor no colo.
Para sempre filha,
Heloísa.
Um sorriso largo
Estampa meu rosto,
Na volta para casa,
Porque você me espera.
Pode ser sol, chuva
Ou um dia tedioso:
Eu recebo teus beijos,
Carinho e abraço,
Afago e calor no colo.
Para sempre filha,
Isadora.
II
Uma paz mansa
Inundará minh'alma,
Na volta para Casa,
Porque você me espera.
Já não haverá vento,
Sombra ou nebulosa:
Eu receberei teus beijos,
Carinho e abraço,
Afago e calor no colo.
Para sempre filha,
Heloísa.
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Aquela
Eu sou uma daquelas que atrapalhou a sua volta para casa hoje. Atrasei você, aumentei o congestionamento da cidade e te irritei com meus brados. Eu sirvo para educar os filhos da cidade, mas não sirvo para receber aumento, valorização e condições dignas de trabalho.
Você deseja que eu esteja no meu lugar, fazendo o meu trabalho, educando os filhos da classe trabalhadora. Mas não apóia que eu reivindique que esse lugar de trabalho seja decente, xinga a minha manifestação, lá do alto do prédio e da sua condição social, e cospe lá de cima na nossa cara.
Eu sou uma daquelas que tem a mão seca de pó de giz, com calos de tanto escrever, mas cheia de carinho para dar, de afagos para as cabeças das crianças. Mas você quer a minha mão na lousa e não na bandeira. Você a quer na caneta azul atribuindo notas aos alunos, e não na mão de outro companheiro, que está nessa corrente comigo.
Eu sou uma daquelas que poucos almejam ser. Será que vou virar raridade? Mas você só está onde está porque teve alguém como eu ao seu lado, segurando sua mão, te ensinando a usar o lápis, te incentivando a ler, a usar bem o corpo, a gostar da beleza, a respeitar o amigo e as coisas dele...
Eu sou uma daquelas que sai de casa bem arrumada e volta descabelada. Que come marmita, merenda, em quinze minutos, para atender um pai desnorteado, uma mãe preocupada...
E faço o papel de mãe, pai, amiga, psicóloga, assistente social... mesmo sabendo que não é meu papel e que isso me desvaloriza. Porque a situação é tão precária, que não me sobra coragem para ignorar o outro e sua demanda urgente de ser gente e ser respeitado e atendido.
Eu sou uma daquelas que planeja a aula, o projeto, o dinheiro no final do mês. Que leva para casa os desaforos, as provas para corrigir, o desrespeito... e fica fazendo terapia depois para entender o que está acontecendo.
Está acontecendo e todo mundo vê, mas ninguém quer se comprometer. Está acontecendo e já faz tempo. Faz tanto tempo que já se perdeu a conta de quantas vezes lutamos, de quantos são os analfabetos funcionais no país...
Eu sou uma daquelas que mal dorme, que mal descansa, que tem pouca saúde e um montão de problemas.
Aquela que perdeu a mãe ou o pai ou o marido ou o filho, aquele que anda de ônibus lotado ou que está com o carro batido mas não tem dinheiro para consertar, aquela que sai cedinho e volta bem tarde e ainda tem que cuidar da casa, da família, do cachorro adotado e das provas e das mensagens dos alunos no facebook, aquela que está de licença, doente e cansada... Eu sou aquela, como você, com uma história.
Nessa história, sou aquela Professora, com muito orgulho, de greve, justamente porque sou EU a professora.
Você deseja que eu esteja no meu lugar, fazendo o meu trabalho, educando os filhos da classe trabalhadora. Mas não apóia que eu reivindique que esse lugar de trabalho seja decente, xinga a minha manifestação, lá do alto do prédio e da sua condição social, e cospe lá de cima na nossa cara.
Eu sou uma daquelas que tem a mão seca de pó de giz, com calos de tanto escrever, mas cheia de carinho para dar, de afagos para as cabeças das crianças. Mas você quer a minha mão na lousa e não na bandeira. Você a quer na caneta azul atribuindo notas aos alunos, e não na mão de outro companheiro, que está nessa corrente comigo.
Eu sou uma daquelas que poucos almejam ser. Será que vou virar raridade? Mas você só está onde está porque teve alguém como eu ao seu lado, segurando sua mão, te ensinando a usar o lápis, te incentivando a ler, a usar bem o corpo, a gostar da beleza, a respeitar o amigo e as coisas dele...
Eu sou uma daquelas que sai de casa bem arrumada e volta descabelada. Que come marmita, merenda, em quinze minutos, para atender um pai desnorteado, uma mãe preocupada...
E faço o papel de mãe, pai, amiga, psicóloga, assistente social... mesmo sabendo que não é meu papel e que isso me desvaloriza. Porque a situação é tão precária, que não me sobra coragem para ignorar o outro e sua demanda urgente de ser gente e ser respeitado e atendido.
Eu sou uma daquelas que planeja a aula, o projeto, o dinheiro no final do mês. Que leva para casa os desaforos, as provas para corrigir, o desrespeito... e fica fazendo terapia depois para entender o que está acontecendo.
Está acontecendo e todo mundo vê, mas ninguém quer se comprometer. Está acontecendo e já faz tempo. Faz tanto tempo que já se perdeu a conta de quantas vezes lutamos, de quantos são os analfabetos funcionais no país...
Eu sou uma daquelas que mal dorme, que mal descansa, que tem pouca saúde e um montão de problemas.
Aquela que perdeu a mãe ou o pai ou o marido ou o filho, aquele que anda de ônibus lotado ou que está com o carro batido mas não tem dinheiro para consertar, aquela que sai cedinho e volta bem tarde e ainda tem que cuidar da casa, da família, do cachorro adotado e das provas e das mensagens dos alunos no facebook, aquela que está de licença, doente e cansada... Eu sou aquela, como você, com uma história.
Nessa história, sou aquela Professora, com muito orgulho, de greve, justamente porque sou EU a professora.
quinta-feira, 2 de maio de 2013
João e Maria - parte III
Opostos cruzando a avenida,
Cegos com olhares profundos,
Num segundo estavam ao chão.
Lanternas, medo, grito, colisão
E os desejos quase moribundos.
Tudo a volta ficou desrimado.
Estatelados e um tanto distantes,
Buscavam, no asfalto, um encontro:
Fosse mágico como um poema
E sincero como o branco da rosa.
Em leves movimentos dos dedos,
Procuravam-se, pois, um ao outro...
Sabiam-se dois desde sempre.
Esqueceram do trem e do terno
Porque, enfim, o tempo parou.
Cegos com olhares profundos,
Num segundo estavam ao chão.
Lanternas, medo, grito, colisão
E os desejos quase moribundos.
Tudo a volta ficou desrimado.
Estatelados e um tanto distantes,
Buscavam, no asfalto, um encontro:
Fosse mágico como um poema
E sincero como o branco da rosa.
Em leves movimentos dos dedos,
Procuravam-se, pois, um ao outro...
Sabiam-se dois desde sempre.
Esqueceram do trem e do terno
Porque, enfim, o tempo parou.
quarta-feira, 1 de maio de 2013
João e Maria - parte II
Cachos, fitas, laços de cetim,
Vestido apertado confinando o ar.
Tanta vida nesses sapatinhos
Presos ao quarto cheio de ursinhos...
E se o tempo pudesse voar?
Na boca, aquele mesmo sim
Quando o coração só quer negar.
Está cheia de tanto carinho,
Quer o vento, o não e o espinho,
O prazer de poder experimentar.
Em goles bebeu suas luas,
Loucuras preencheram seus dias.
Eram músicas, tatuagens e cores
Que fingiam esconder suas dores,
De um tempo que nunca sumia.
Diversão garantida numa mão (ou duas)
Ovelha loira desgarrada das tias.
Noitadas, mas poucos amores.
Rotina de beijos sem flores...
Para onde será que iria?
Sozinha vagando num cinza sem fim,
Plano definido: morrer na estação
E deixar o vazio na frente do trem.
Quando então se desvela um quem:
Para quem nunca olhou, um tal de João.
Vestido apertado confinando o ar.
Tanta vida nesses sapatinhos
Presos ao quarto cheio de ursinhos...
E se o tempo pudesse voar?
Na boca, aquele mesmo sim
Quando o coração só quer negar.
Está cheia de tanto carinho,
Quer o vento, o não e o espinho,
O prazer de poder experimentar.
Em goles bebeu suas luas,
Loucuras preencheram seus dias.
Eram músicas, tatuagens e cores
Que fingiam esconder suas dores,
De um tempo que nunca sumia.
Diversão garantida numa mão (ou duas)
Ovelha loira desgarrada das tias.
Noitadas, mas poucos amores.
Rotina de beijos sem flores...
Para onde será que iria?
Sozinha vagando num cinza sem fim,
Plano definido: morrer na estação
E deixar o vazio na frente do trem.
Quando então se desvela um quem:
Para quem nunca olhou, um tal de João.
terça-feira, 30 de abril de 2013
João e Maria
Solas gastas no vermelho da terra,
Sonhos pairando no cheiro do ar.
Bolas de gude e goles de tubaína,
Pique-esconde só até a esquina...
E se o tempo pudesse parar?
No peito, a voz rouca que berra:
Pelo instante, o doce e o mar.
Quer o riso fugas da menina,
Toda a paixão e adrenalina...
E se o tempo, enfim, esgotar?
Então os livros comeram as luas
E os amigos saciaram os dias.
Aquele tempo, sempre tão veloz,
Era mísero, seu fiel algoz,
Que os desejos secretos consumia.
Trabalho regrou uma mão ou duas.
Engravatado e bonito para as tias.
Restou, nesse mundo feroz,
Lamentar o tempo - animal atroz,
E a vida que aos sete (e dezessete) queria.
Quando o céu cinzento de agosto,
Iluminado de fogos de artifício,
Segurou sua mão diante do precipício:
Vinha leve, sozinha, vestia poesia...
Era sua, menina, era ela, Maria.
(para Rafael Lucas completar quando quiser)
Sonhos pairando no cheiro do ar.
Bolas de gude e goles de tubaína,
Pique-esconde só até a esquina...
E se o tempo pudesse parar?
No peito, a voz rouca que berra:
Pelo instante, o doce e o mar.
Quer o riso fugas da menina,
Toda a paixão e adrenalina...
E se o tempo, enfim, esgotar?
Então os livros comeram as luas
E os amigos saciaram os dias.
Aquele tempo, sempre tão veloz,
Era mísero, seu fiel algoz,
Que os desejos secretos consumia.
Trabalho regrou uma mão ou duas.
Engravatado e bonito para as tias.
Restou, nesse mundo feroz,
Lamentar o tempo - animal atroz,
E a vida que aos sete (e dezessete) queria.
Quando o céu cinzento de agosto,
Iluminado de fogos de artifício,
Segurou sua mão diante do precipício:
Vinha leve, sozinha, vestia poesia...
Era sua, menina, era ela, Maria.
(para Rafael Lucas completar quando quiser)
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Quimeras
O olhar.
Pesquisa da alma.
Queria a alma lhe atravessando.
Interesse das mãos.
Queria as mãos nos cabelos.
O abraço.
Vontade do peito.
Queria o peito colado no seu.
O carinho.
Escape do amor.
Queria o amor tirando seu ar.
O sorriso.
Florir dos lábios.
Queria os lábios de lua crescente.
O beijo.
Desejo da boca.
Queria a boca no deserto das costas.
sábado, 20 de abril de 2013
Senhora
Aquieta.
Carrego o peso dos teus braços vazios
E lavo os teus pés com lágrimas de amor,
Para sentir-se acolhido em teu caminho,
Como num ventre, concha ou ninho
- filho meu.
Adormece.
Cubro com meu manto azul e sagrado
O teu corpo doído e um tanto machucado,
E conduzo pela mão tua alma renascida
Até onde ela possa, enfim, repousar
- nosso céu.
Acorda.
Derramo felicidade gratuita em teu dia,
Dádivas de sol, chuva, vento e terra macia,
Na vontade de ver-te sorrindo outra vez
Em sua busca pelo que está guardado
- e é só seu.
Carrego o peso dos teus braços vazios
E lavo os teus pés com lágrimas de amor,
Para sentir-se acolhido em teu caminho,
Como num ventre, concha ou ninho
- filho meu.
Adormece.
Cubro com meu manto azul e sagrado
O teu corpo doído e um tanto machucado,
E conduzo pela mão tua alma renascida
Até onde ela possa, enfim, repousar
- nosso céu.
Acorda.
Derramo felicidade gratuita em teu dia,
Dádivas de sol, chuva, vento e terra macia,
Na vontade de ver-te sorrindo outra vez
Em sua busca pelo que está guardado
- e é só seu.
quarta-feira, 17 de abril de 2013
quinta-feira, 11 de abril de 2013
De volta
Seus pés velhos e caminhantes, de unhas compridas e um tanto lascadas, afundavam nas areias quentes e finas de seu deserto. Estava cansada de suas receitas mágicas para plantar maldades. Toda vida carregara aquelas vestes que se arrastavam junto a seu corpo - retalhos costurados a mão, um a um, de todos os tons de negro do espaço. E os cabelos ralos, longos, branqueados na fronte, desgrenhados feito um capim mordido, aqueciam seu colo vazio de amor. Que falta fazia um bom fogo naquelas gélidas noites, em que ventava poeira em seus olhos. O dedo, de tanto apontar os outros, fora tomado por uma artrose sem fim, que consumia suas raras intenções de carinho em seu urubu de estimação. E a cada estação, na eternidade de sua alma, crescia uma solidão também sem fim. Suplicando à vida, ao menos uma porção de afeto e um esboço de sorriso, comeu da terra, bebeu da chuva e ardeu seus olhos ao sol farto da manhã. Sem resposta, cavou um buraco bem profundo com o pouco de energia que lhe restava. Enterrou-se de pé, até o pescoço, apenas com sua razão descoberta, para ver se brotava como um cacto. Enraizou-se, sentiu-se acolhida. E finalmente, ao seguir de tantas luas, não vingou e cumpriu a bruxa que lhe fora emprestada.
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Autorretrato
I
Que traço, maneio, imagem que sou?
Qual forma, perfil, do rosto, restou?
Escolho uma veste e um humor para o dia
Que não é, finge ser, o que de fato eu seria.
II
O que vive em mim,
Perturba, revira e lateja,
Pois não mostro assim
Pr'um passante que lampeja.
Escondo, tenho medo,
Quero sumir da vista
E da ponta do dedo
Que me julga e revista.
III
Meu dentro verdadeiro
Por vezes emporcalhado,
Noutras, tanto derradeiro
De amores consumados.
Meu secreto que guardo,
Fino, leve e frágil cristal,
Cálice de todo o sagrado,
Montanha de bem e mal.
E se não agrado
Com meu deserto de sal?
IV
Anjo e monstro convivem
Em meio à minha ferrugem.
Que traço, maneio, imagem que sou?
Qual forma, perfil, do rosto, restou?
Escolho uma veste e um humor para o dia
Que não é, finge ser, o que de fato eu seria.
II
O que vive em mim,
Perturba, revira e lateja,
Pois não mostro assim
Pr'um passante que lampeja.
Escondo, tenho medo,
Quero sumir da vista
E da ponta do dedo
Que me julga e revista.
III
Meu dentro verdadeiro
Por vezes emporcalhado,
Noutras, tanto derradeiro
De amores consumados.
Meu secreto que guardo,
Fino, leve e frágil cristal,
Cálice de todo o sagrado,
Montanha de bem e mal.
E se não agrado
Com meu deserto de sal?
IV
Anjo e monstro convivem
Em meio à minha ferrugem.
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Rimas prá Depois
Éramos sós.
Amores livres.
Desejos grandes.
Planos demais.
Respiros rápidos.
Setas disparadas
Por ruas incertas.
Alvos comuns?
Éramos dois.
Apenas nós.
Sonhos de cores.
Mundos diversos.
Caminhos novos
A passos largos.
Promessas, beijos,
Flores e mentiras.
Éramos três.
Unidos mais.
Tempos de menos.
Os pés atados.
Vezes de dores.
Dias de risos.
Talvez mais presos
Nuns anos felizes.
Éramos quatro.
Esperanças finitas.
Em poucos minutos,
Longos e intensos,
Voltamos sem paz.
Imensos vazios.
Desertos sem sóis.
Lágrimas a mais.
Éramos sós.
Juntos separados.
Explosões contidas.
Tapas e palavras
Carinhosas, malditas.
Semanas de caos.
Estávamos restos
Cheios de nós.
Ainda éramos nós:
Carregando-nos os três
E as rimas prá depois.
Amores livres.
Desejos grandes.
Planos demais.
Respiros rápidos.
Setas disparadas
Por ruas incertas.
Alvos comuns?
Éramos dois.
Apenas nós.
Sonhos de cores.
Mundos diversos.
Caminhos novos
A passos largos.
Promessas, beijos,
Flores e mentiras.
Éramos três.
Unidos mais.
Tempos de menos.
Os pés atados.
Vezes de dores.
Dias de risos.
Talvez mais presos
Nuns anos felizes.
Éramos quatro.
Esperanças finitas.
Em poucos minutos,
Longos e intensos,
Voltamos sem paz.
Imensos vazios.
Desertos sem sóis.
Lágrimas a mais.
Éramos sós.
Juntos separados.
Explosões contidas.
Tapas e palavras
Carinhosas, malditas.
Semanas de caos.
Estávamos restos
Cheios de nós.
Ainda éramos nós:
Carregando-nos os três
E as rimas prá depois.
sexta-feira, 29 de março de 2013
Indo
Unhas cresceram.
Chuvas chegaram.
Depois as folhas.
Filhote espichou.
Trabalho acumulou.
Depois a louça.
Somou cada dia.
Passou, passou...
Viu os minutos
Correndo vazios
Pelas frestas.
O que restou?
A sensação de tudo estar por um fio que balança rápido demais.
Chuvas chegaram.
Depois as folhas.
Filhote espichou.
Trabalho acumulou.
Depois a louça.
Somou cada dia.
Passou, passou...
Viu os minutos
Correndo vazios
Pelas frestas.
O que restou?
A sensação de tudo estar por um fio que balança rápido demais.
Banho
Demorada e gorda é a água morna em que se afundam os pés.
Num quente sem fim, vai tomando as migalhas tenras do que restou... até que seu cheiro filtrado perspasse as narinas, gélidas, boiando no fora desse esperado encontro.
Imersa nesse mundo suspenso e sem som, esquece do tempo que corre.
Em meio as texturas camurçadas do óleo de amêndoas, repara nas cicatrizes não bem-vindas.
Fica.
Quando o toque da brisa, que atravessa o vitrô, acaricia o ombro - que de tarde foi consolo, numa só reta diagonal, levanta com insistência a carne que a leva pelos dias vazios.
Deixa para trás tão doce abrigo, para abraçar devagar o corpo em meio ao pano.
Espicha-se toda, os poros atentos e segue rumo a mais viagens do anoitecer.
Num quente sem fim, vai tomando as migalhas tenras do que restou... até que seu cheiro filtrado perspasse as narinas, gélidas, boiando no fora desse esperado encontro.
Imersa nesse mundo suspenso e sem som, esquece do tempo que corre.
Em meio as texturas camurçadas do óleo de amêndoas, repara nas cicatrizes não bem-vindas.
Fica.
Quando o toque da brisa, que atravessa o vitrô, acaricia o ombro - que de tarde foi consolo, numa só reta diagonal, levanta com insistência a carne que a leva pelos dias vazios.
Deixa para trás tão doce abrigo, para abraçar devagar o corpo em meio ao pano.
Espicha-se toda, os poros atentos e segue rumo a mais viagens do anoitecer.
quarta-feira, 20 de março de 2013
Oração
Eu te chamo na palma da mão
Para cuidar do meu coração -
Que é teu e não sabe do bem,
Da luz e da guarida que vem
De teu manto sagrado de mãe.
Coroa minha fronte de estrelas
Mais brilhantes, intensas e belas
Suporta minha dor em teu braço
E acolhe minh'alma num laço
Do colo quente e eterno de mãe.
No cheiro da água de alfazema
O meu corpo é doce poema -
Instrumento de fé e caridade,
Para o amor de tua divindade,
Gota d'água, Oxum, minha mãe.
Para cuidar do meu coração -
Que é teu e não sabe do bem,
Da luz e da guarida que vem
De teu manto sagrado de mãe.
Coroa minha fronte de estrelas
Mais brilhantes, intensas e belas
Suporta minha dor em teu braço
E acolhe minh'alma num laço
Do colo quente e eterno de mãe.
No cheiro da água de alfazema
O meu corpo é doce poema -
Instrumento de fé e caridade,
Para o amor de tua divindade,
Gota d'água, Oxum, minha mãe.
129.600 minutos
I
Desbota,
Dia após dia,
A única imagem
Guardada de ti.
Desejo atordoado
De eternizar
Teu rosto
Morto.
II
O pouco de você,
Que me foi concedido,
Ainda dói.
Com alegria,
Lembraria para sempre
Do que não vivi
Ao teu lado.
Em dias cinzas,
Penso que não serei feliz
Sem esse pedaço.
III
Tem areia morna
Sob os meus pés
Que afundam sós,
Na vã tentativa
De seguir à procura.
O que há em mim
É o mesmo que move
Outros animais.
Por agora, sobrevivo.
Desbota,
Dia após dia,
A única imagem
Guardada de ti.
Desejo atordoado
De eternizar
Teu rosto
Morto.
II
O pouco de você,
Que me foi concedido,
Ainda dói.
Com alegria,
Lembraria para sempre
Do que não vivi
Ao teu lado.
Em dias cinzas,
Penso que não serei feliz
Sem esse pedaço.
III
Tem areia morna
Sob os meus pés
Que afundam sós,
Na vã tentativa
De seguir à procura.
O que há em mim
É o mesmo que move
Outros animais.
Por agora, sobrevivo.
terça-feira, 5 de março de 2013
Oxum
I
Faz da minha vida, riacho,
Água corrente do bem...
Deitada em teu colo, relaxo
E durmo a paz de quem tem
Proteção e cor de mãe divina,
Teu escuro, no espelho, refletido.
Vem para aliviar minha sina
E ouvir, com amor, meu pedido:
Esvair a tristeza do inverno
Que secou minh'alma sem rumo,
Aguada de choro sempiterno.
De rosas brancas perfumo
Meu corpo cansado e materno,
Por agora assim fora do prumo.
II
De chama um toquinho crepita
Para iluminar teus domínios.
Teu brilho parece pirita
Mas de ouro são os teus desígnios.
Consolo do vazio do ventre,
Oração de beleza, clamor.
És minha senhora de sempre:
No medo, no riso e na dor.
Oxum, olho da cachoeira,
Leva embora contigo o meu pranto,
No embalo do atabaque e do canto.
Minha guardiã e padroeira,
Aparecida do Mar, canoeira,
Me envolve no azul do teu manto.
Faz da minha vida, riacho,
Água corrente do bem...
Deitada em teu colo, relaxo
E durmo a paz de quem tem
Proteção e cor de mãe divina,
Teu escuro, no espelho, refletido.
Vem para aliviar minha sina
E ouvir, com amor, meu pedido:
Esvair a tristeza do inverno
Que secou minh'alma sem rumo,
Aguada de choro sempiterno.
De rosas brancas perfumo
Meu corpo cansado e materno,
Por agora assim fora do prumo.
II
De chama um toquinho crepita
Para iluminar teus domínios.
Teu brilho parece pirita
Mas de ouro são os teus desígnios.
Consolo do vazio do ventre,
Oração de beleza, clamor.
És minha senhora de sempre:
No medo, no riso e na dor.
Oxum, olho da cachoeira,
Leva embora contigo o meu pranto,
No embalo do atabaque e do canto.
Minha guardiã e padroeira,
Aparecida do Mar, canoeira,
Me envolve no azul do teu manto.
domingo, 3 de março de 2013
Ira
I
Dorme no fígado,
Em sono vertical,
A massa calcificada
De palavras quietas,
Inauditas e engasgadas,
De raiva e torpor.
Aprisionadas no lobo,
Às vezes sussurram
Desejos e obscenidades,
Por tempo demais
Contidas nessa cirrose.
II
O fio da faca.
O tapa na cara.
O grito demente.
A unha na carne.
Tudo repousa e bóia
No amarelado fétido
Da bile que carrego.
Dorme no fígado,
Em sono vertical,
A massa calcificada
De palavras quietas,
Inauditas e engasgadas,
De raiva e torpor.
Aprisionadas no lobo,
Às vezes sussurram
Desejos e obscenidades,
Por tempo demais
Contidas nessa cirrose.
II
O fio da faca.
O tapa na cara.
O grito demente.
A unha na carne.
Tudo repousa e bóia
No amarelado fétido
Da bile que carrego.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Resiliência
Ah, estrela da manhã
- estampa do anil,
luze e canta solitária
enquanto alinhavo,
de novo, sem pressa,
uns retalhos desfiados
do pouco do dentro
que restou de mim.
Pranto e contemplação
diante da colcha,
amarrotada e velha,
que persiste em ser
a casa das memórias
- panos de resiliência
e linhas de costurar,
juntos tecem viver.
- estampa do anil,
luze e canta solitária
enquanto alinhavo,
de novo, sem pressa,
uns retalhos desfiados
do pouco do dentro
que restou de mim.
Pranto e contemplação
diante da colcha,
amarrotada e velha,
que persiste em ser
a casa das memórias
- panos de resiliência
e linhas de costurar,
juntos tecem viver.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Papel
O pulsar da palavra
No cheiro, textura,
Nessa gramatura
Do canson que lavra.
Retém o escrito,
Aconchego da letra;
De página tetra
Feito um monolito.
Vivifica memórias
E guarda, amarelado,
O que nos é sagrado
Entre tantas histórias.
Estampado, no plano,
Signos, fonemas...
Que tornado poema:
Explode gas metano.
Universo do papel,
Casa da quimera,
Válvula da espera
E do poeta, o céu.
No cheiro, textura,
Nessa gramatura
Do canson que lavra.
Retém o escrito,
Aconchego da letra;
De página tetra
Feito um monolito.
Vivifica memórias
E guarda, amarelado,
O que nos é sagrado
Entre tantas histórias.
Estampado, no plano,
Signos, fonemas...
Que tornado poema:
Explode gas metano.
Universo do papel,
Casa da quimera,
Válvula da espera
E do poeta, o céu.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Minha
Teu doce riso tem aquela beleza
do bater de asas de um beija-flor:
ele escapa do instante passageiro
que eu desejo, com amor, eternizar.
Teu brando colo tem aquele afago
da trama tecida em lã de cachecol:
ele envolve, quente, minha nuca
e eu almejo, com ternura, só ficar.
do bater de asas de um beija-flor:
ele escapa do instante passageiro
que eu desejo, com amor, eternizar.
Teu brando colo tem aquele afago
da trama tecida em lã de cachecol:
ele envolve, quente, minha nuca
e eu almejo, com ternura, só ficar.
Medo
Vem o polvo do medo
- tentáculos espalhados,
que edifica em segredo
casas, muros, telhados.
De um bailar sedutor
que nos detém a mão,
paralisa, em torpor,
intentos do coração.
Tinta negra esparrama,
fétida cor que anoitece
o claro fulgor da chama.
O polvo insistente tece,
faz sua morada na cama
sob o jugo da prece.
- tentáculos espalhados,
que edifica em segredo
casas, muros, telhados.
De um bailar sedutor
que nos detém a mão,
paralisa, em torpor,
intentos do coração.
Tinta negra esparrama,
fétida cor que anoitece
o claro fulgor da chama.
O polvo insistente tece,
faz sua morada na cama
sob o jugo da prece.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Da Existência
I
Coisas são coisas,
nada mais ou além.
O que a vida detém
é o instante do já
- nossa eternidade.
Ou o que não convém
relembrar, mas está:
nossa efemeridade.
II
Saber-me finita,
Obra inacabada,
De experiência inscrita
No vazio que é o nada;
É angústia latente,
Soprando feito um hino,
E procuro, insistente,
O que em mim é divino.
Coisas são coisas,
nada mais ou além.
O que a vida detém
é o instante do já
- nossa eternidade.
Ou o que não convém
relembrar, mas está:
nossa efemeridade.
II
Saber-me finita,
Obra inacabada,
De experiência inscrita
No vazio que é o nada;
É angústia latente,
Soprando feito um hino,
E procuro, insistente,
O que em mim é divino.
sábado, 16 de fevereiro de 2013
Reminiscência
É seta que acerta,
feito um punhal,
nossas entranhas.
Bem antes da afronta,
vagueia nos cantos
escuros e sombrios.
Em seu regresso,
nos revira as tripas
- carne de ausências -
deixando seu rastro,
de riso entre os dentes
ou choro sem ar.
feito um punhal,
nossas entranhas.
Bem antes da afronta,
vagueia nos cantos
escuros e sombrios.
Em seu regresso,
nos revira as tripas
- carne de ausências -
deixando seu rastro,
de riso entre os dentes
ou choro sem ar.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
Amor de Menina
Deságua o sereno da tarde
E embala menina a caminho,
Que segue em saia florida.
Cambitos a toda prova
Em corrida angustiada
Para ver mãe de devoção.
Quer reza e mão na cabeça,
Unguento e chá de rosas
Para a dor sumir fugida.
No colo leva a medalha
Que vó Madalena deu,
Bem antes dos sete palmos.
É tanto que lhe pesa o ar,
É muito que sofre seu peito,
Chega a sentir um nó.
Acode velha benzedeira!
Não vai sem ver dois olhos
Esbugalhados de amor.
Agora ainda é o primeiro,
De muitos que virão no lombo
Ou que irão com o vento.
E embala menina a caminho,
Que segue em saia florida.
Cambitos a toda prova
Em corrida angustiada
Para ver mãe de devoção.
Quer reza e mão na cabeça,
Unguento e chá de rosas
Para a dor sumir fugida.
No colo leva a medalha
Que vó Madalena deu,
Bem antes dos sete palmos.
É tanto que lhe pesa o ar,
É muito que sofre seu peito,
Chega a sentir um nó.
Acode velha benzedeira!
Não vai sem ver dois olhos
Esbugalhados de amor.
Agora ainda é o primeiro,
De muitos que virão no lombo
Ou que irão com o vento.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Busca
Em fios quase que invisíveis
- movidas pelas intempéries -
pequenas gavetas suspensas,
com suas possíveis respostas:
ao toque da mão que escolhe
qual delas, a mais aprazível,
ou um tanto menos doída.
Auroras, poentes, passaram
no abrir e fechar de tais nichos,
na pinça de cada esperança
- consolo, peneira ou flor -
e perdurou firme o zunido
de um irresoluto vazio:
arca de escuro sem fundo.
- movidas pelas intempéries -
pequenas gavetas suspensas,
com suas possíveis respostas:
ao toque da mão que escolhe
qual delas, a mais aprazível,
ou um tanto menos doída.
Auroras, poentes, passaram
no abrir e fechar de tais nichos,
na pinça de cada esperança
- consolo, peneira ou flor -
e perdurou firme o zunido
de um irresoluto vazio:
arca de escuro sem fundo.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
Anjo
Um grande arco resplandeceu
- eram tuas asas, abertas.
A palavra, contrária, emudeceu
e deu lugar à paz que acerta
- redefine o brilho do olhar,
outrora opaco e sem vida.
Tua presença ergueu, ímpar,
em mim, fortaleza desconhecida.
Fez-se pura em meu coração,
alegria sincera e desmedida,
estampada neste poema-oração.
Doce derramado em árida lida,
revelo a ti toda a devoção
da minh'alma, enfim, rendida.
- eram tuas asas, abertas.
A palavra, contrária, emudeceu
e deu lugar à paz que acerta
- redefine o brilho do olhar,
outrora opaco e sem vida.
Tua presença ergueu, ímpar,
em mim, fortaleza desconhecida.
Fez-se pura em meu coração,
alegria sincera e desmedida,
estampada neste poema-oração.
Doce derramado em árida lida,
revelo a ti toda a devoção
da minh'alma, enfim, rendida.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
Alegoria
Acorda!
Veste tua derme azul cintilante.
No punho, pulseira de conchas dissonantes.
Coroa tua fronte com um girassol.
Perfuma teu colo com olor de etanol.
Pendura no peito pesado cordão:
Macramé de pedras de construção.
Pinta teus lábios de forte vermelho.
Esconde entre os dentes um caco de espelho.
Prende os cabelos com rolo de fita K7.
Acomoda teus pés em um patinete.
A mão esquerda estendida conduz
Linda e negra frigideira de teflon.
Na mão direita, quase saltando, reluz
O rosa pink de um estonteante pompom.
Está pronta para ir.
Veste tua derme azul cintilante.
No punho, pulseira de conchas dissonantes.
Coroa tua fronte com um girassol.
Perfuma teu colo com olor de etanol.
Pendura no peito pesado cordão:
Macramé de pedras de construção.
Pinta teus lábios de forte vermelho.
Esconde entre os dentes um caco de espelho.
Prende os cabelos com rolo de fita K7.
Acomoda teus pés em um patinete.
A mão esquerda estendida conduz
Linda e negra frigideira de teflon.
Na mão direita, quase saltando, reluz
O rosa pink de um estonteante pompom.
Está pronta para ir.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Nuvem de Fumaça
Dissipa
Nuvem de fumaça
Que os olhos recobre
E emudece à sombra
Os coloridos sonhos.
Leva
Contigo, teus ruídos
Doídos e infiltráveis:
Redobram tropeços
Dos filhos trôpegos.
Nuvem de fumaça
Que os olhos recobre
E emudece à sombra
Os coloridos sonhos.
Leva
Contigo, teus ruídos
Doídos e infiltráveis:
Redobram tropeços
Dos filhos trôpegos.
Some!
Vai-te embora agora
Sem deixar teu rastro
Cinza e mal cheiroso
No ar que aspiramos.
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013
O Abajour, a Moça e a Caderneta
I
Ansioso, aguardava que a noite não demorasse.
Queria vê-la, mesmo que brevemente, antes de dormir.
Gostava de sentir o toque delicado de sua mão.
Sem pressa, podia apreciar aquele corpo repousando.
Reparava até no tecido da camisola que ela usasse.
II
Orgulhava-se de ter o dorso esguio, forte e ereto.
Assim, podia avistar melhor cada detalhe.
Um pouco soberbo, claro, por saber-se imprescindível na vida daquela moça.
Por vezes, a arrogância era tanta, que resolvia falhar só para vê-la irritada.
Dono de uma incandescência ímpar, era a mais bonita estrela da madrugada.
E mesmo despido, fazia charme com seu branco chapéu carioca.
III
Mal sabia a moça que ele tinha uma amante. Sim!
Passava o dia roçando nela e fitando o corpo rubro de sua outra paixão.
Magra e de poucas curvas, mais silenciosa e discreta, a amante guardava mil segredos.
Pena que as duas fossem tão amigas e cochichavam a noite toda.
Será que elas tinham um plano?
IV
E ele ainda estragaria tudo.
Mais cedo ou mais tarde.
Ansioso, aguardava que a noite não demorasse.
Queria vê-la, mesmo que brevemente, antes de dormir.
Gostava de sentir o toque delicado de sua mão.
Sem pressa, podia apreciar aquele corpo repousando.
Reparava até no tecido da camisola que ela usasse.
II
Orgulhava-se de ter o dorso esguio, forte e ereto.
Assim, podia avistar melhor cada detalhe.
Um pouco soberbo, claro, por saber-se imprescindível na vida daquela moça.
Por vezes, a arrogância era tanta, que resolvia falhar só para vê-la irritada.
Dono de uma incandescência ímpar, era a mais bonita estrela da madrugada.
E mesmo despido, fazia charme com seu branco chapéu carioca.
III
Mal sabia a moça que ele tinha uma amante. Sim!
Passava o dia roçando nela e fitando o corpo rubro de sua outra paixão.
Magra e de poucas curvas, mais silenciosa e discreta, a amante guardava mil segredos.
Pena que as duas fossem tão amigas e cochichavam a noite toda.
Será que elas tinham um plano?
IV
E ele ainda estragaria tudo.
Mais cedo ou mais tarde.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Sobre a Saudade
I
Canta saudade!
Sopra nos ouvidos
Memórias delicadas:
O cheiro da pitanga.
A trama do bordado.
O toque da pétala.
O gosto do sim.
II
Chora saudade!
Tuas sutilezas
Insistem em ficar.
É bruta, sem graça.
Quem gosta de saudade assim?
Nem pede licença
Para nos revirar...
III
Deixa, saudade!
Abandona o que resta
Para ser esquecido.
Sedimenta e vai.
Canta saudade!
Sopra nos ouvidos
Memórias delicadas:
O cheiro da pitanga.
A trama do bordado.
O toque da pétala.
O gosto do sim.
II
Chora saudade!
Tuas sutilezas
Insistem em ficar.
É bruta, sem graça.
Quem gosta de saudade assim?
Nem pede licença
Para nos revirar...
III
Deixa, saudade!
Abandona o que resta
Para ser esquecido.
Sedimenta e vai.
Retornos
Do fundo ao entre.
Do entre à tona.
E dali, ao barco.
Do barco à terra.
Da terra à casa.
Da casa à mim.
E daqui, adiante...
À tudo de novo.
Do entre à tona.
E dali, ao barco.
Do barco à terra.
Da terra à casa.
Da casa à mim.
E daqui, adiante...
À tudo de novo.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
Beijo
A língua laça
O exíguo lábio
De lua minguante
E extingue dele
O amarelo lânguido
Da aguada dor.
O exíguo lábio
De lua minguante
E extingue dele
O amarelo lânguido
Da aguada dor.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
A Ponte
Um ponto de tinta,
Um pingo na ponta.
É tanto que pinga,
É tanto de tinta,
Que tinge de tinto
A ponte que tento.
Um pingo na ponta.
É tanto que pinga,
É tanto de tinta,
Que tinge de tinto
A ponte que tento.
Sombra de Mim
Acompanha-me ao sol
Sem obrigação.
Caminha bem perto
E não vá embora
Se o céu azul límpido
Ora escurecer.
Querida, gosto de ti,
Assim quieta,
Sem julgar meus passos.
Companheira,
Percorre ao meu lado
O caminho do sonho
Que escolhi para hoje.
Sem obrigação.
Caminha bem perto
E não vá embora
Se o céu azul límpido
Ora escurecer.
Querida, gosto de ti,
Assim quieta,
Sem julgar meus passos.
Companheira,
Percorre ao meu lado
O caminho do sonho
Que escolhi para hoje.
domingo, 27 de janeiro de 2013
Tempos Difíceis
I
Imóveis falanges gastas,
Ferrugem nas dobras e
Velhos nervos atrofiados.
Antigas memórias sem cor,
Sumiço das raras palavras e
Demorado respiro frio.
Enrugada a pele franzina,
Doídas escaras nas costas e
Olhar perdido no nada...
II
A casa era o leito.
O banho era o pano.
O toque era a ponte.
Vivia no entre.
Imóveis falanges gastas,
Ferrugem nas dobras e
Velhos nervos atrofiados.
Antigas memórias sem cor,
Sumiço das raras palavras e
Demorado respiro frio.
Enrugada a pele franzina,
Doídas escaras nas costas e
Olhar perdido no nada...
II
A casa era o leito.
O banho era o pano.
O toque era a ponte.
Vivia no entre.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Paixão
O cárcere desértico do cansaço,
De implacável dor e solidão,
Afunda o teu corpo no regaço
Do dorso que deseja em ilusão.
Cerra os teus olhos marejados
Por suspiros e bocejos dormentes,
Para sonhar com teu amor alado
Que apazigua infortúnios recentes.
Adormece a inquietude insana
Que te leva a um viver oblíquo.
Repousa o teu peso nesta cama
Para o porvir acontecer profícuo.
E emaranhada como um novelo,
Tocada por delicado algodão,
Desperte e sorria ao desvelo
De saber-se levada por paixão.
Aquela mesma que cura feridas
E outras muitas cria para sangrar;
Prisão velada e um tanto ardida,
Que lhe tomou em um golpe de ar.
Esquece o pensamento aflitivo
Que o som do relógio acompanhava,
Acenando para um tempo esquivo
Do não viver que sequer terminava.
Entregue, sem caução, um teu espaço,
Para que seja, enfim, e tão somente.
Que ame e ceda a um terno abraço
Para sentir-se inteira e novamente.
De implacável dor e solidão,
Afunda o teu corpo no regaço
Do dorso que deseja em ilusão.
Cerra os teus olhos marejados
Por suspiros e bocejos dormentes,
Para sonhar com teu amor alado
Que apazigua infortúnios recentes.
Adormece a inquietude insana
Que te leva a um viver oblíquo.
Repousa o teu peso nesta cama
Para o porvir acontecer profícuo.
E emaranhada como um novelo,
Tocada por delicado algodão,
Desperte e sorria ao desvelo
De saber-se levada por paixão.
Aquela mesma que cura feridas
E outras muitas cria para sangrar;
Prisão velada e um tanto ardida,
Que lhe tomou em um golpe de ar.
Esquece o pensamento aflitivo
Que o som do relógio acompanhava,
Acenando para um tempo esquivo
Do não viver que sequer terminava.
Entregue, sem caução, um teu espaço,
Para que seja, enfim, e tão somente.
Que ame e ceda a um terno abraço
Para sentir-se inteira e novamente.
domingo, 20 de janeiro de 2013
Minha poesia
Abano bem a poesia
Feito fagulha de fogo
Para crescer, espalhar.
Sopro com força as cinzas
De cada nova poesia
Para fazê-la voar.
Que pegue uma carona
No rabo da ventania
E aprenda a viajar;
Visite terras e povos,
Distantes e diferentes,
Sem nunca ter que voltar.
Suba ao céu, poesia,
Para chover tuas rimas
E belezas relampejar.
Brilha, minha poesia,
Num denso raio de sol
Ou num feixe de luar.
Que seja por si o que é,
Única e tão só,
Escrita para iluminar.
Abracem a poesia!
Queiram-te inteira ou em parte,
Podem tomá-la do ar.
Será bom que desvaneça
No coração de um alguém,
Tal qual espuma do mar.
Feito fagulha de fogo
Para crescer, espalhar.
Sopro com força as cinzas
De cada nova poesia
Para fazê-la voar.
Que pegue uma carona
No rabo da ventania
E aprenda a viajar;
Visite terras e povos,
Distantes e diferentes,
Sem nunca ter que voltar.
Suba ao céu, poesia,
Para chover tuas rimas
E belezas relampejar.
Brilha, minha poesia,
Num denso raio de sol
Ou num feixe de luar.
Que seja por si o que é,
Única e tão só,
Escrita para iluminar.
Abracem a poesia!
Queiram-te inteira ou em parte,
Podem tomá-la do ar.
Será bom que desvaneça
No coração de um alguém,
Tal qual espuma do mar.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
Dádiva
Terno, doce e quente é o afago
Das pequenas mãos que têm:
Me acarinham como ninguém!
Em meu coração eu lhe trago
Guardada, sorrindo para mim,
Fazendo covinhas nas bochechas,
Emolduradas por lindas madeixas
Que penteio com amor sem fim.
Adormeço desejando despertar
Com teu beijo de sol nascente
(estalado) faz-me, de repente,
Bem mais feliz por recomeçar.
É por ti meu amor desmedido,
Minha força e tudo o que tenho.
Me acalma saber que detenho
O real poder de levá-la comigo:
Para sempre, no peito.
Das pequenas mãos que têm:
Me acarinham como ninguém!
Em meu coração eu lhe trago
Guardada, sorrindo para mim,
Fazendo covinhas nas bochechas,
Emolduradas por lindas madeixas
Que penteio com amor sem fim.
Adormeço desejando despertar
Com teu beijo de sol nascente
(estalado) faz-me, de repente,
Bem mais feliz por recomeçar.
É por ti meu amor desmedido,
Minha força e tudo o que tenho.
Me acalma saber que detenho
O real poder de levá-la comigo:
Para sempre, no peito.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Descompasso
Esguio corpo em flor,
Tuas marcas espalhadas
São melodias de dor,
Contos de risos e amor,
Quimeras esparramadas.
Pálido, quase sem cor,
De linhas desalinhadas...
Mas no coração: fervor!
E prece prá nosso Senhor
Amenizar a caminhada.
Jovens curvas têm sabor
Da velhice experimentada;
Mas sem medo de se expor,
Não deixou que o bolor
Arrebatasse sua estrada.
Presságio
Eu soube que era você,
Anjo da morte,
Naquele chevette marrom,
Seguindo-me pela colina,
Até o topo, bem alto,
Para levá-la de mim.
Eu soube que era você,
Anjo da morte,
A esmurrar com força
A porta do banheiro químico,
Gritando comigo, bem alto,
Para dar-te meu bem.
Eu soube que era você,
Anjo da morte,
Carregando para longe,
Com carinho e segurança,
O sonho por mim cuidado,
Enquanto eu rezava o que sabia.
Eu soube que era você,
Anjo da morte,
Quando atravessou meu dentro
Para revirar a minha fé
E testar os meus limites,
Sem ao menos ver o teu rosto.
Eu soube que era você,
Anjo da morte,
Visitando a minha casa
Durante a madrugada,
Rendendo-me a minha sina
De ser pequena, mas abrigo.
Eu soube que era você,
Anjo da morte.
Eu pude sentir tua força
E toda a minha impotência.
Eu chorei tua partida
E acenei um até logo.
Eu sempre soube que era você,
Anjo da morte.
domingo, 6 de janeiro de 2013
Força
Noite adentro.
E o pássaro
Que cantava
Em meu peito
Resiste,
Rouco,
Sussurrando
Sua melodia
Para o sol
Nascente
Que não vejo.
E o pássaro
Que cantava
Em meu peito
Resiste,
Rouco,
Sussurrando
Sua melodia
Para o sol
Nascente
Que não vejo.
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